Cap.5 - Parte I

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Quando a noite se estendeu no céu, tive enfim o pretexto pra ir embora dali. Dei a desculpa de que sentia falta da minha cama e fui para o meu lar. Não tinha nenhum sinal de que meu pai estava lá, provavelmente vai fazer plantão mais uma vez no trabalho e acabar pegando no sono em seu escritório da empresa.

Mas tudo bem, aquela casa vazia seria bem-vinda nesse momento que precisava de um tempo só pra mim. Sim, logo eu que odeio ficar sozinho em qualquer circunstância estava buscando a solidão por vontade própria pela primeira vez na vida (pra você ver como a situação é alarmante).

Chegando em minha residência, iniciei um clássico ritual pós-término: chorei ao som de músicas de abandono e depois botei um filme de romance água com açúcar para assistir enquanto devorava um pote inteiro de sorvete.

O filme acabou me deixando pior do que antes e, ao invés de mais tristeza, senti raiva dele. Por que, você me pergunta? Perdi quase 2 horas vendo o desenrolar da desgraça de um triângulo amoroso. Não aguento mais essa velha e desgastada trama, me irrita de verdade. Se soubesse que se tratava disso teria visto outro, pois sempre me estresso no final com esse tipo de história.

A questão é que tenho uma grande aptidão para shippar o casal errado e mesmo nos casos raros que shippo o certo ainda fico mal pelo excluído. O que me leva a ficar puto por nunca inovarem dando, pelo menos, um aceno ao poliamor. Até porque vamo combinar que de triângulo esses enredos nunca tiveram nada, é só um cone.

Tipo, mesmo se não for se concretizar, poderiam no mínimo discutir a respeito, mas não, a sociedade é tão normativamente monogâmica que até nesses casos não é nem citado a solução mais óbvia para esse dilema. Sério, quem inventou essa ideia de que um basta pra amar? Quer dizer, não que o tal amado não seja suficiente, mas qual o problema de ter um acréscimo?

As pessoas acham que ter espaço no coração pra mais é algo inadequado que não deve ser feito? Ou pensam que é um mito como se essa eventualidade fosse impossível de acontecer? Independentemente de qual for a opção essa concepção foi construída, porque natural do ramo biológico não é (sei do que tô falando mano, eu vi na série Explicando da Netflix).

Somos doutrinados com o conceito do amor único, mesmo sendo comum se apaixonar várias vezes na vida por pessoas diferentes, nos é instigado a buscar o certo; verdadeiro; especial etc. Essa definição desconsidera que podemos amar inúmeros e até ao mesmo tempo ou, se considera, acredita na hierarquia. Dirão que sempre terá um que você amará mais em relação a outras paixões, mas se você olhar ao redor na vida real, ou até na ficção, verá que isso não condiz na prática.

Entendo que é meio difícil, e abuso do acaso, todas as três (pra mais) pessoas se corresponderem nos sentimentos. Por mais que às vezes seja fácil se apaixonar, não é algo que a gente tem controle sobre, então, por não sermos capazes de escolher por quem vamos gamar, o amor unilateral é o que mais rola. Mas por que, nas situações tipo daqueles animes haréns que vários gostam de uma, fazem a tal disputada decidir por apenas um como se não houvesse outra alternativa? Optar por mais de um não é ficar em cima do muro.

Claro que também tem a questão da sexualidade que dificulta mais ainda as coisas quando o "triângulo" ou o harém é feito de homens e mulheres héteros (como é tratado na maioria dessas produções pra acabar de vez com a possibilidade do poli), mas por que então não se pode compartilhar nesses cenários? Quem divide multiplica, gente! A felicidade da pessoa amada não deveria ser mais importante e capaz de superar qualquer inveja? Ou melhor, não prefere isso do que ser o rejeitado? Mais vale um pedaço do que perder tudo.

E larga de insegurança, dá sim para amar igualmente mais de uma pessoa. Sei que dizem que isso é mentira até pros pais, que todos tem um filho favorito. Alguns devem ter mesmo, mas imagino que em sua maioria seja o ciúmes dos irmãos falando ou porque confundem amor com intimidade. Se os pais são mais próximos de um filho não significa que eles o amem mais do que suas outras crias.

Às vezes essa proximidade é criada só por conta desse filho ser mais suscetível em se abrir com os coroas do que os outros ou porque ele e os velhos têm mais assuntos em comum, não quer dizer necessariamente que o amor entre eles é maior. Há diversas maneiras de demonstrar afeto e, como todos somos diferentes, nosso jeito de se relacionar muda pra cada pessoa, mas o carinho e intensidade do sentimento que reservamos para muitas pode ser o mesmo.

Eu sei disso pois é justamente o que sinto pelos meus melhores amigos. Sim, dei essa volta toda pra admitir que tô caidinho por eles. E é, grande revelação também, sou bi. Diria que estou sabendo disfarçar legal já que até agora ninguém me descobriu, mas deve ser mais porque até hoje não tive coragem de chegar em nenhum boy.

Colé, o que você esperava? Não tive bolas nem pra me assumir pros dois durante a confissão da própria sexualidade deles pra mim! O mínimo seria eu retribuir essa honestidade, invés de continuar sendo um hipócrita que reclama de segredos enquanto mantém os seus a sete chaves.

Em minha defesa esse meu receio todo de os contar é medo de assim deixar meus sentimentos pelos dois muito evidente pra eles, o que causaria um baita estranhamento e arruinaria de vez nossa amizade já que claramente Kiri e Baku não sentem o mesmo por mim. Ainda mais porque devem ser monogâmicos e aparentemente só gostam um do outro desse jeito.

– Caralho, eu preciso beber. – Choraminguei em voz alta.

Anotei isso em minha agenda mental e, olhando para o relógio de parede da sala, percebi que passara da hora de eu ir pra cama se quisesse não me atrasar no dia seguinte. O ideal seria faltar amanhã pra descansar melhor dessa minha ressaca amorosa, mas daria muito na cara eu ficar indisposto um dia depois de termos aquela conversa... Por isso decidi ir logo me deitar.

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