Cap.10 - Parte II

138 24 8
                                    

Outros dias vieram e foram, teve o Valentine's Day >sem comentários< e mais meses se passaram. Novamente um time skip pessoal, de tempo irrelevante para eu narrar a vocês.

– Nem acredito que essa é nossa última aula particular. – Comentei para Shinso, incrédulo que já estávamos na reta final do ano e daqui poucas semanas entraríamos em uma nova fase da vida. – Finalmente nos despediremos da escola, o que eu desejo desde que entrei nela, mas agora que tá pra se realizar parece tão estranho...

– Mudanças sempre trazem frio na barriga. – Ele parou de bater seu lápis na mesa de seu pai, em que estávamos estudando, e puxou outro assunto: – Não acha contraditório que você seja um leitor fervoroso, mas vai mal na escola? – Provável que o arroxeado estava segurando essa curiosidade há tempos para ter tomado a iniciativa da conversa. – Sei que não deve ter efeito em exatas e que tem a parada da dificuldade de aprendizado, mas nas humanas deveria ajudar não? Principalmente em história, é só imaginar os acontecimentos como se fossem uma ficção. – E ele esperou até a beira do fim letivo para me dar essa dica?

– Bom, primeiro: leitor fervoroso é exagero. – Nivelei sua perspectiva de mim. – Segundo: deve ser porque só leio "besteiras" majoritariamente, invés dos clássicos e os próprios didáticos. E terceiro: até essas literaturas lado B são meio que um trabalho árduo pra mim, já que além do déficit de atenção tenho dislexia, mesmo que de grau leve, então eu naturalmente odeio ter que fazer esse esforço pra aquilo que não gosto, por isso acabo nem tentando.

– Pensei que você só tinha TDAH. – Meu próprio tutor não sabendo meus transtornos disfuncionais. Achei que Aizawa soubesse e tivesse lhe informado.

– Tenho TDA, sem o H. Talvez eu fosse hiperativo também quando criança, mas segundo meu médico eu perdi essa letra na adolescência. – Sou apenas agitado, gente.

– E você manda bem em linguagens mesmo tendo dislexia que é justamente o distúrbio em alfabetização? – Hitoshi questionou parecendo descrente de meu diagnóstico.

– Só porque eu tive acompanhamento quando menor. E isso não me impede de apreciar a leitura de histórias que me agradam. – Retruquei. – Na verdade, foi um hábito construído já que a minha fonoaudióloga me fazia ler bastante pra treinar e assim diminuir minha dificuldade. Não é algo que some, mas você se acostuma a lidar com ela. – O silêncio e olhar intrigado dele me incentivaram a seguir em meu monólogo sendo o professor da vez: – O senso comum da dislexia é o fato de confundirmos algumas letras, que é por conta da fonética semelhante. Acabamos as trocando tipo os daltónicos, só que com os caracteres invés das cores. – Analogia bunda, mas foi o que me surgiu. – Acho que tem também a questão da ordem das letras nas palavras na hora de escrevê-las, ortografia em geral. De qualquer forma, hoje depois de vários anos de fono e escola, quase não aparento mais isso por já ter aprendido a assimilar certo, apesar de alguns erros bobos escaparem às vezes e sentir de vez em quando que, ao invés de ter entendido, só gravei como algumas palavras se escrevem. – Tentei repassar corretamente o que minha neuro havia me explicado sobre: – Mas o que realmente persiste é a lentidão de se ler e compreender o que leu, porque a dislexia tem a ver com processo neural e por isso entendo mais rápido ouvindo determinada coisa do que a lendo. – Se o TDA, nesse caso também, não atrapalhar. – Meu cérebro não associa a grafia com o som como a maioria das pessoas, não quer dizer que ele não consiga, mas tem que tomar um percurso mais longo. Hoje em dia eu não me incomodo mais em demorar tanto lendo alguma coisa, encaro que estou tirando o meu tempo na história, o problema mesmo são os prazos: o relógio que é o meu pior inimigo nas provas.

– Interessante. – Todo esse meu desabafo e é isso que recebo de resposta. – Pena que só me contou agora e não quando comecei a te dar tutoria, mas se quer uma dica pode pôr tudo isso nas suas inscrições pras faculdades que com certeza amolecerá um pouco a rigidez deles. – Pelo menos uma vantagem. – Põe também que é ruim em matemática e bom inglês, pra eles já sacarem que você é bi e assim talvez te concederem uma cota LGBT. – O olhei com cara de paisagem. – Foi uma piada.

– Você fez uma piada?! – Inédito, galera. E como ele esperava que eu fosse interpretar aquilo como uma brincadeira se manteve o seu semblante azedo de sempre?

– É, eu vi esse tal "padrão" bi em um vídeo do Tik Tok. – Essa rede fisgou todo mundo mesmo.

– A parte da cota era sério?

– Claro que não! – Droga. – Enfim, acho que terminamos por aqui. – Foi guardando nossos materiais. – Agora só lhe resta rezar pra última etapa de provas e entrar pra uma boa Universidade.

– Ha ha engraçadinho. – Julguei aquilo como outra piada ruim e me levantei para seguir meu caminho. – Tchau tchau, a gente se vê por aí. – Ainda era estranho pensar que não teríamos mais nossas sessões de estudo. E eu não sabia se me sentia aliviado com esse fato ou se já sentia saudades. – Ah, e amanhã é meu aniversário, tá? – Recordei de o informar (sem segundas intenções, claro).

– Me lembre amanhã então de te dar os parabéns. – O esquecido. E nem para me comprar um presentinho.

Nos despedimos e então eu passei o resto do dia em minha casa. Com Kiri e Kats comigo, óbvio. Nenhum deles dois comentou nada sobre meu níver durante toda aquela semana, o que significava que eles estavam tramando para tal. Certeza.

E no dia seguinte, como eu havia pensado:

– Bom dia, aniversariante! – Fui acordado ao Eijiro pular com tudo em cima de mim. – Bora acordar que Bakubro está te fazendo o café.

– Ele sempre nos faz. – Resmunguei por aquilo não ter nada de especial e por ter sido despertado antes da comida estar de fato pronta.

– E vai te trazer na cama pra você comer deitado que nem os ricos.

– Aí sim! – Me sentei ganhando ânimo, ao passo que o ruivo me deu espaço.

– Não se faz 18 duas vezes. – Kirishima lançou aquela famosa e incoerente frase pronta, porém prontamente a corrigiu: – Nenhuma idade na verdade, mas agora como é de maior pode realmente ser preso então temos que o compensar com algo bom. – "Posso imaginar como vocês me compensariam bem", cala boca cérebro! Pensando em indecências logo cedo, não se aguenta.

Eiji do nada e sem explicação saiu do cômodo me deixando confuso, mas ele logo retornou com um presente que eu já lhe tomei da mão afobado para abrir.

– Vamos jogar assim que voltarmos da escola! – Demandei ostentando a versão mais recente do Just Dance que ele havia me dado.

– Já era o planejado. – O ruivo respondeu sorridente.

Instantes depois, Katsuki chegou carregando minha refeição predileta da manhã: bagel; torradas com geleia de morango; muffin de limão; e mocha com muito chantilly. Era para se acabar.

O loiro então colocou a bandeja em meu colo e, vendo que Eijiro já havia me entregado o presente dele, rapidamente foi buscar também o seu.

– Que isso? – Proferi admirado ao perceber que se tratava de uma guitarra nova. – Gastou toda a pensão do seu pai comigo?

– Passou da hora de você trocar a antiga, alguém tinha que fazer isso né. – Explicou ríspido como se aquilo não fosse nada demais, claramente tentando camuflar a timidez que o apossou por seu ato amável. – E pra você. – Se virou para Kiri lhe estendendo um chaveirinho de tubarão. – O brinde que veio junto na compra. – Esse era um velho costume de Katsu que paramos de questionar: sempre que ele presenteava um de nós, dava também uma lembrancinha para o outro.

– Humilhou o meu presente, cara. – Eiji não comentou a respeito do carinho de Kats, apesar de corar ao aceitar o chaveiro (que fofos, eles de fato fariam um belo casal), preferiu apenas choramingar de brincadeirinha sobre como o presente de Bakugo desvalorizou o seu.

– Que nada, ele provavelmente vai jogar mais isso do que tocar alguma coisa. – O loiro relevou enquanto eu me sentia ficar emotivo.

– Muito obrigado, gente! – Os agradeci realmente grato pela sorte de ter amigos como eles. – Vocês são os melhores.

Eles agraciaram o elogio meio envergonhados e, após comermos, nos arrumarmos e combinarmos o que faríamos no fim de semana pra comemorarmos meu aniversário, fomos para a escola.

Por Que Três É Demais?Onde histórias criam vida. Descubra agora