Cap.7 - Parte III

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– Kaminari? – Hitoshi ficou bem confuso ao notar eu me aproximando.

– Já te falei que pode me chamar de Denki, você usando meu sobrenome parece seu pai Aizawa. – Brinquei tomando um espaço ao lado dele.

– O que faz aqui? – Saudou secamente. – Teve alguma dúvida nos exercícios de ontem?

– Milagrosamente não. – Se tem alguma coisa indo bem pra mim recentemente são as tutorias do arroxeado. – Aulas particulares e estudos moldados ao perfil do aluno são realmente salvadoras.

– O que quer então? – Se eu não soubesse que esse era o jeito normal dele de socialização ficaria sentido com essa sua antipatia (ou talvez ele estivesse mesmo irritado por eu ter o atrapalhado com o que estava fazendo).

– Fiquei curioso de ver você estudando aqui de todos os lugares. – De perto percebi que o livro nas mãos do outro se tratava do nosso didático de geografia. – O ar livre te ajuda a absorver o conhecimento?

– Não. Só tô aqui porque esse foi o melhor lugar que encontrei já que a sala de estudos estava cheia e a biblioteca tem estado bem barulhenta esses dias. – Alfinetou com a indireta. – Único jeito de eu vir pra um local como esse.

— Desculpa por isso. – Retorci o rosto de vergonha e emendei uma piadoca para compensar: – Parece que você tentou fugir da minha barulheira, mas ela acabou vindo atrás de você de qualquer forma.

– Que tal aproveitarmos esse tempo com um estudo extra então? – Sugeriu ostentando o material de geopolítica como se fosse a coisa mais interessante do mundo, que nem os vendedores fazem com qualquer produto que sobrou no estoque.

– Tá parecendo o Bakugo agora transformando qualquer oportunidade em estudo. – Fiz careta de repúdio. – Só porque você é meu tutor não quer dizer que nossa relação precisa ser restrita a isso.

– Você nunca falou comigo antes de eu me tornar seu tutor. – Impressão minha ou aquilo era uma denúncia de falsidade da minha parte?

– É porque não te conhecia, mas desde que sei um pouco queria saber mais sobre você. – Tudo bem que até vê-lo ali eu não estava tão empenhado assim para conhecê-lo de verdade, mas eu sou uma borboleta social, sempre aprecio fazer novos amigos. – Através de conversas que sejam além de ensinamentos escolares.

– O que Aoyama te disse? – Shinso perguntou desconfiado. – Que teria alguma chance comigo? – Essa não tenho dúvidas de ter sido uma acusação de interesseiro.

– Mano, tô propondo apenas amizade mesmo. – Que paranóico, mas pera... – O que te faz pensar que eu ia querer algo com você? Só porque tenho passado um tempo com Yuga não significa que eu seja-

– Recuso a proposta justamente por essa sua reação defensiva, vai ser melhor pra você mantermos nosso convívio estritamente acadêmico.

– Quê? – Fiquei desorientado por ser interrompido com aquela declaração.

– Se ficarmos andando juntos a céu aberto sem ser por motivos de estudos, as pessoas vão falar, mesmo que não esteja rolando nada. – O esclarecimento me deixou sem palavras. – Ainda não estão falando de você e Aoyama porque não descobriram o esconderijo de vocês na biblioteca. – Alertou e como permaneci sem saber o que dizer, o arroxeado continuou: – Por que acha que Monoma não está aqui comigo? Eu não costumava estudar até no intervalo, uma hora dessas estaria relaxando com ele.

– Vocês eram mesmo? – Pelo semblante franzido que ele fez, resolvi esclarecer: – Um casal?

– Você acredita na balela da galera homofóbica? – The shade.

– Bom, normalmente não, mas eles estavam certos com o Yuga. Então, como provei estar errado antes por não acreditar, agora tô duvidando do que julguei originalmente. – Me enrolei todo.

– Não, nunca namoramos. – Explicitou trivialmente. – Mas os rumores bastaram pra deixá-lo desconfortável ao meu redor.

– Quem diria que o Neito ligaria pra isso sendo que já o chamaram de outras coisas, tipo, o que é mais um rótulo? – Me indaguei.

– É que o resto, como mórmon e esnobe, ele se orgulha de ser. – Zombou. – Na real, até que Monoma não dá muita bola dos outros acharem que ele é gay, porque ele é resolvido com sua sexualidade, mas quando os boatos chegaram nos ouvidos dos pais dele a coisa ficou crítica e ele escolheu parar de andar comigo pra ver se os rumores se cessam.

– Lamento. – Lastimei, afinal a quebra de um vínculo nunca é fácil, principalmente quando é rompido a pressão de forças externas. – Mas e você? Não se importa com o que falam?

– O que verdadeiramente me incomoda são as merdas que os escrotos preconceituosos condenam nos meus pais, mas des' dessa parada do meu melhor amigo comecei a me afetar um pouco sim com o que dizem de mim. – Senti seu ódio ao mencionar o que maldizem dos dois pais dele e admirei ele não se fazer de durão inabalável ao que reprovam a seu respeito. – De qualquer forma não faz diferença, não posso controlar o que pensam, mesmo se eu negar aos quatro cantos que gosto de homem ninguém vai me levar a sério e provavelmente não devessem de fato, já que nem eu sei se curto ou não.

– Ainda não sabe? – Questionei surpreso (e eu achando que tava atrasado quanto a isso).

– Não, e daí? – Deu de ombros. – Vocês são tão apressados com o sexo, por que precisam ter a resposta de quem são de uma vez? A vida é sobre se autodescobrir o tempo todo até o fim, eu entendo assim então vou devagar pra poder desfrutar mais de cada momento. – Parece papo de agnóstico, mas confesso que essa filosofia me deixou intrigado.

– Bem, eu... Sou bi. – Não sei o que deu em mim, mas de repente senti vontade de o confidenciar aquilo.

Talvez toda a sua sinceridade me deixou confortável e confiante pra tal. Ou se assumir era um vício, depois que alguém sabe você sente a necessidade de ficar divulgando pra mais e mais gente. E é oficial, Hitoshi é o primeiro para quem eu revelo tal coisa (nem sei porque estava com tanto medo, foi bom ser quem diz isso).

– Legal. – Ele me apoiou banalmente, alheio a como aquilo foi um grande passo para mim. – E vai continuar aqui comigo mesmo depois de todos os riscos que te atentei? Já passamos até tempo demais sozinhos.

– Sim, você tá muito solitário pro meu gosto, serei sua nova companhia. – Sorri decidido.

– Tem certeza? Você ficou todo perturbado quando eu dei a entender que cê queria algo comigo. – Me recordou de meu comportamento desesperado de poucos minutos atrás. – Deve saber que os outros vão ser bem piores.

– Mais um motivo pra eu me pôr em teste de resistência. – Shinso permaneceu preocupado, não convencido de meu discurso. – Eu quero não me importar, mas pra isso tenho que ter determinação pra enfrentar essas coisas. – Ditei honesto com a esperança de que se criasse coragem atrairia essa disposição. – Já tá mais que na hora de incorporar o hino bi da Domo Wilson: "I'm bisexual bitch and I ain't got nothing to hide". – Duvido que ele tenha sacado a referência, mas a ideia foi transmitida.

Por fim, o arroxeado aceitou minha escolha com um sorrisinho (meu Deus, esse menino lembra muito o Aizawa até na personalidade) e ficamos o resto do recreio ali juntos conversando sobre assuntos diversos.

Quando o sinal soou e fomos cada um para sua sala da vez, passamos no meio do caminho por uns garotos do time de futebol americano que estavam indo em direção ao campo de onde saímos. Aparentemente eles iam matar aula treinando, já que não tinha educação física para nenhuma turma aquela hora (ou talvez só estivessem livres naquele horário).

Os rapazes nos lançaram olhares estranhando porque estávamos vindo dali, mas não passou disso. E não deixaria aquilo me desmotivar do que Hitoshi havia me incentivado >indiretamente<: amanhã, sem falta, eu iria falar com Katsuki e Eijiro.

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