– Oh, tirei mais um B. – Exibi em ostentação a última prova corrigida que tínhamos recebido, ao sentarmos em nosso lugar de costume no refeitório durante o intervalo. – B-, mas mesmo assim. E em biologia ainda cara, eu e Kats só pegamos essa disciplina porque o Eiji adora essa matéria. – Fiz careta em desaprovação daquele gosto do ruivo. Seguirmos um ao outro em tudo também tinha suas desvantagens.
– O sacana não abriu mão de ter as aulas de anatomia, né? – Sero foi quem fez a gracinha enquanto levava uma de suas batatinhas fritas a boca.
– Que bom que Shinso tem sido um bom tutor, Kami. – Kirishima ignorou o sorriso malicioso que Hanta direcionou a ele, focando em minha conquista ao invés. – Pelo visto Hitoshi tem a vocação dos pais.
Apesar de suas palavras sentia um ressentimento em sua voz, principalmente com a bufada de desprezo que Bakugo soltou logo depois da fala de Kiri. A reação do loiro acinzentado só ampliou essa minha sensação, além de me fazer crer que era um sentimento compartilhado entre os dois. Eu podia supor a razão dessa mágoa deles: eu ter continuado com a tutoria de Shinso sendo que poderia ter voltado a estudar com eles.
Bem, eu permaneci nos estudos com Hitoshi, porque além dele estar realmente me ajudando bastante, se julgar pelo meu progresso de só notas C pra cima nesse período de testes, eu também não queria mais perder tempo nesses assuntos com meus besties, tínhamos coisas melhores pra fazer juntos. Sei que os dois devem estar chateados porque isso significa menos horas comigo, mas o que vale mais: tempo de qualidade ou tempo em geral?
De qualquer forma, foi a decisão que tomei. E, para o meu alívio, os garotos do time compreenderam minha relação com o filho de nossos professores como acadêmica (ou talvez Eijiro os tenha esclarecido isso). Então ninguém >a mais do que já era< passou a ser chamado de gay, nem meus crushes já que eles não aderiram ao meu incentivo de se assumirem. Ou seja, tirando o fato de termos feito as pazes, tudo ainda estava na estaca zero: Kirishima e Katsuki se mantinham no armário até com seus respectivos pais e nossos amigos. Eu tinha a impressão que Mina, e sua intuição, já sabia da sexualidade deles também, por isso inclusive me motivou a chegar neles, mas sabiamente ela nunca trouxe o tema à tona.
– Bonjour, colegas! – Yuga nos saudou vibrante, interrompendo meus pensamentos ao surgir de repente em pé do lado de nossa mesa. – Desculpe incomodar, mas mon chéri Nari eu tenho algo pra você que não pude esperar pra te comunicar.
Tanto Bakugo quanto Eijiro me olharam questionadores pela abordagem do francês, o que era compreensível já que até aquele momento Aoyama nunca tinha se aproximado de mim enquanto eu estava acompanhado deles. Seja porque o intercambista até então não tinha se auto convidado para ficar com a gente ou porque eu mesmo esquecia de o chamar pra andar conosco. Pois é, nos recreios acabei devolvendo pra solidão, não só ele, mas Shinso também (desculpa galera, quando tô com meus crushes é difícil lembrar que outras pessoas existem).
– É mais um amigo que fiz naquele tempo que me afastei. – Esclareci para os outros dois, deixando o loiro perolado de molho por um instante.
– Por que estou surpreso? – Katsu declarou com humor. – Claro que você não conseguiria fugir de interações sociais mesmo se quisesse.
– Bom, eu só vim com um recado rápido. – Yuga puxou a atenção de volta para si. – Na verdade, tá mais pra favor... pessoal.
– Desembucha de uma vez. – Ditei, já impacientemente curioso com o que ele queria, cortando sua enrolação que certamente foi um jeito dele de me dizer que era melhor ter a tal conversa a sós. Descartei seu pedido subentendido, porque só de pensar em levantar àquela hora pra ir em um canto reservado me deu preguiça. E duvidava que o assunto fosse de tamanho sigilo que demandasse ser tratado no particular.
– Okay, então: tem esse cara que eu dei match e tô querendo o encontrar pessoalmente, mas ele disse que só aceita sair comigo se eu levar alguém pr-a amiga dele, porque ele tá numa missão de tentar desencalhar essa amiga dele e tal. – Por um triz, o francês não entregou minha sexualidade de novo. – Enfim, você toparia ir nesse encontro duplo comigo? – Tá bom, talvez de fato aquele pedido fosse algo para se discutir no privado. – E lembre que você tá me devendo uma antes de responder. – Isso é quebra de contrato, Aoyama nunca me disse que cobraria pelos seus serviços de wingman.
– Eu apoio você ir. – Sero me encorajou, após um minuto de silêncio que caiu sobre a mesa com todos aguardando inquietamente pelo meu feedback.
– Óbvio, porque tu só quer ganhar minhas pratas! – Ashido saiu de seu estado de espectadora e delatou o outro latino.
– Colé, e o acordo de deixar baixo? – Hanta redarguiu traído para a garota e depois explicou para o resto de nós do que eles estavam falando: – Mina e eu fizemos uma aposta, desde o começo do ensino médio, de quem do nosso grupo seria o primeiro a namorar e eu apostei no Denki porque né, ele sempre foi o mais empenhado pra conquistar esse objetivo. – Esse relato já era o suficiente, mas o colombiano quis continuar sendo sincero: – Porém até agora nada, tipo, ainda tem chance na frente de vocês, mas eu realmente não esperava que ele fosse demorar pra achar alguém. – Deve ter pensado que só estava expressando um comentário inofensivo, no entanto pisou em minha ferida.
– Ele não precisa de mais ninguém, já tem a gente. – Eiji tentou me consolar. É, quem precisa de parceiros quando se tem amigos?... Quem eu quero enganar? A julgar pela minha carência mal suprida, eu sou uma das pessoas que precisa sim.
– Tá, mas ele merece e nesse momento está sendo presenteado de bandeja com uma oportunidade pra isso. – O moreno parou de dissertar sobre mim, como se eu não estivesse no recinto, e se virou enfim para falar diretamente comigo: – Vey, o que tem a perder? Juro que se você não for, eu abandono a grana em potencial e vou no seu lugar. – Essa também não seria uma boa, porque aí o latino descobriria que a tal "amiga" tem um pinto (não sendo trans).
– Isso é jogo sujo o que tá fazendo, Han. – O que interpretei dessa intromissão de Ashido é que ela estaria insinuando que a intenção de seu comparsa de disputa era, desde o início, usar minha insegurança como tática para me induzir a concordar com a proposta do francês e assim ele obter uma vantagem na aposta (tô vendo muito filme de detetive). Ou talvez Sero só quisesse ser meu padrinho e Mina estava torcendo contra por dois "motivos" que havia pedido a ela pra desencanar.
– E em quem que você apostou? – Aoyama, não contendo sua sede por fofoca, perguntou para a rosada.
Porém não deixei o loiro receber uma resposta, porque o plano maligno de Hanta funcionou e eu, antes da brasileira dizer mais alguma coisa, afirmei (convencido de que não faria mal tentar, mas me arrependendo dessa decisão logo depois):
– Aceito. – Na mesma hora, Sero me ergueu os polegares; Ashido fechou a cara e Yuga esqueceu do restante da conversa celebrando animado a minha escolha com agradecimento e tudo (Senhor, ele é mais Drama Queen que eu).
Assim, o intervalo acabou. Retornamos às aulas e eu tive que aguentar a empolgação do intercambista pelos próximos dias, enquanto sentia Bakugo e Kirishima me fitarem intensamente toda vez que o Aoyama vinha acertar algo do date duplo comigo.
Pensei que estivesse na parte da calmaria depois da tempestade, mas pelo visto me meti em outro temporal no caminho para o porto.
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Por Que Três É Demais?
FanfictionQuem disse que mostarda, ketchup e maionese não combinam tudo junto? É a primária tríplice aliança, o equilíbrio perfeito de uma tiqueta. Digo, triqueta... tiquetra? Aquela desgraça do símbolo da trindade! É disso que tô falando, eu quero um poli e...