CAPÍTULO SEIS

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A advogada sumiu por dois dias.
Dois. Dias!!
Aborrecido com a suposta falta de profissionalismo da advogada, Bestial murmura e simula uma discussão consigo mesmo, como se ela estivesse presente; porque, para ele, ela não devia sair por aí em sua folga. Muito menos sem falar com ele.
'Que maravilha! Ele, agora, é um macho que fala sozinho'
Aquilo era triste, constatou.
Ansioso pela falta acometida por uma fêmea que só briga com ele, não sabe porque isso o chateia tanto.
Trabalhou; nadou; lutou; jogou futebol, basebol, vôlei e basquete; assistiu a jogos na sala comum, no térreo, com outros machos e correu com o grupo de treino da força tarefa de Tim; e com o grupo Espécies de Tiger, até os músculos das pernas falharem. E, ainda assim, não para de pensar na fêmea.
Segunda feira ele está tão mal humorado, que não olha ou intica a faltosa advogada, achando essa a melhor maneira de incutir punição pela atitude desconsiderada, ignorando-a. De alguma forma, sente nela um distúrbio emocional.
'Algo aconteceu nesse fim de semana!'

***

Foram três dias sem provocações entre eles. Um termo de trégua, onde ambos, em comum acordo, resolvem se desprezar.
Contudo, bastou esse tempo, três míseros dias, para que tudo voltasse com ímpetos avassaladores. Não havia mais cordialidade social. As discussões acaloradas em reuniões chegara ao ponto da interferência de terceiros, para não irem às vias de fato. Que é o que frequentemente parecia prestes a acontecer. Nessa última reunião o chamara de "brutamontes ignorante"; e ele, arreganhara os dentes para ela, com tal abandono, nessas últimas semanas, que expunha, na frente de todos, a ameaça tácita de agressividade.
'Rá! Quem manda tira-la do sério com especulações debochadas sobre sua maneira de trabalhar?'
Além de se atrever a chamá-la de "advogada endiabrada"; por, segundo ele, achar suas atitudes muito traiçoeiras e desonestas. Foi o que ressaltou, aos gritos, depois de afirmar que Espécies não usam métodos desonrosos.
Desonrosos?!!
'Desonrosos o escambau!'
Ela não vai cair na maluquice de dizer que é uma santa. Mas pode garantir que seus métodos são legítimos e legais. Nenhum juíz a condenaria por isso.
Chegou ao limite de, ao se cruzarem nos corredores da sede, virarem o rosto contra o outro.
Victória não sabe porque não consegue se controlar quando ele a provoca; mesmo prometendo a si; ao líder e aos outros membros do Conselho da ONE. É quase viceral suas reações a ele. Nunca teve tal enfrentamento com outro ser humano, sem ser dentro dos tribunais. E nada parecido às emoções que isso tira dela, em lugar algum; e com ninguém mais. A não ser ele!
'E ele é um dos seus contratantes, caramba!'
Uma noite, ela havia sido arrancada do sono, por uma ligação, no seu celular. Ela nunca o põe no silencioso a essas horas, embora fosse seu momento de descanso. Aprendeu que emergências não marca hora, e nem tem bom senso para acontecer num horário prudente.

__ Alô. __ diz, sonolenta, para o aparelho, depois de pesca-lo do criado-mudo.
__ Alô! __ insiste, quando não há resposta.

Um instante de silêncio a faz perceber a respiração do outro lado. Isso traz uma fibrilação estranha no baixo ventre e um arrepio que agita os pêlos do corpo. Nada relativo a medo. Pelo contrário. E é engraçado como seu sexto sentido apita, para informar que o importunador da noite é ele.

__ Tem alguém aí? __ ela pergunta.

Então, ele desliga.
E ela não consegue mais dormir.

***

Bestial passou a ouvir comentários sussurados, das suas discussões com a advogada, dos seus próprios colegas de trabalho.

__ ... Ah, foi mesmo. __ havia afirmado Creek para alguém, no telefone, do outro lado a porta. __ ela o chamou de palhaço sexista... Não. Eu tive que anotar isso também no meu caderninho de notas; estou com uma página cheia de xingamentos interessantes, por causa da advogada. Nunca tinha ouvido isso antes... Creio que nem Bestial.

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