Capítulo 19 - De Irmã pra Irmã

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- Isso não parece nem um pouco saudável.

Morgana, como uma poser de anjo caído, não ousava conspurcar o chão dos limites do quarto de Kayle sem experimentar sua fúria divina. Também porque Morgana era uma rebelde, mas não uma babaca. Também devia pressentir que havia algo de errado com Kayle, embora ela escondesse muito bem.

- Estudar é saudável. Me deixa sozinha, Morgana.

- Você está estudando Direito Tributário... Trigonometria Aplicada, Números Complexos, isso aí é Marxismo Utópico? Nós nem estudamos isso. Estudos Comunistas foram banidos há uns três anos.

- Foi antes ou depois do seu ex-namorado depilado matar o antigo rei?

Morgana estreitou os olhos numa careta ácida. 

- Você sabe... ele não era meu namorado. Tivemos só um negócio.

- Aham, que nem eu e o Deicida. - ela pegou uma caixa de Nutrinho e bebeu na escuridão de seu elmo - Por que nós temos um dedo podre, Morgana? Puxamos do papai?

Morgana suspirou desfazendo toda aquela sua pose enjoada de gótica rebelde. Ela sentou-se na cama perfeitamente arrumada do quarto de hóspedes de Kayle.

- Provavelmente foi o papai. Ele acabou casando com uma ascendente maluca, mas é claro que você não vai admitir isso por causa da sua bajulação pela mamãe.

- Verdade, provavelmente é meu próprio fracasso porque não consigo fazê-lo olhar para mim como mais que... que... uma Super-Tropa móvel. Um monstro da jungle que anda na lane. Uma fracassada que precisa de uma roupa colada e roxa para que alguém se convença a me escolher e não por causa da minha personalidade ou... ou... de quem eu sou.

Kayle sentiu o livro de Direito Tributário Comentado: Sanções e Processos, Parte IV queimando nas suas mãos. Kayle percebeu a fumaça e abafou as chamas, verificando se não havia chamuscado toda parte a respeito de perdão na multa e nos juros. Pegou a parte que havia acabado de terminar: "se você confessar, pode pagar sua multa com um filho seu ou um dos seus braços; é o que leciona a reforma tributária do nosso misericordioso rei Jarvan III de Durandal".

- Você tá chorando, Kayle?

Kayle escondeu algumas lágrimas que escorriam pelo elmo.

- É que eu gostava muito desse livro.

- Ah, já entendi. É choro por macho, não é mesmo?

- Pensava que você fosse feminista, Morgana. - foi a vez de Kayle cuspir veneno - Só chorava porque as correntes do patriarcado ainda existiam.

Morgana a fitou por alguns instantes encarando a escuridão daquele elmo, tentando enxergá-la. A irmã levantou-se e tocou no capacete da gêmea. Kayle a parou.

- Pare. Eu sou um monstro, um troll, uma cheiradora de Yordles nojenta.

- Cale a boca, somos gêmeas.

E retirou o capacete.

Na casa de Kayle ela havia virado todos os espelhos do seu quarto na direção da parede e todas suas fotos ela usava aquele capacete. Foi sua penitência para marcar sua fase "limpa". Kayle não suportava a própria visão, mas preferiu comprar a versão que fazia isso porque odiava a irmã dela e não queria que a confundissem. Na verdade ela só penteava para o lado esquerdo o cabelo quando detestava a irmã, mas a mamãe não a questionou e, sobre a mania dos espelhos, acreditou na história da filha sobre estar enfrentando um Gnomo que morava nos espelhos.

"Ora, filhinha bobinha. Não há Gnomos em Runeterra, apenas Yordles. E você não precisa ter medo de Yordles. Deixa eu desvirar esse espelho... Ah, por que você tropeçou no espelho? Agora vai ter que pagar por ele e outras dez chibatadas pelo seu desequilíbrio momentâneo".

Novamente aqueles cachos pálidos se viram soltos. Apesar de não haver motivo para produzi-los nem limpá-los, Kayle mantinha a higiene mínima que seria cortar os cabelos, passar condicionador e xampu, além de algum hidratante. Morgana admirou a irmã e até uma sombra de inveja nublou aquela visão quando percebeu que aquele cabelo que devia ser um ninho de pombos se mostrou mais bem cuidado que ela. 

- Eu sabia que não devia ter pintado o cabelo... - sussurrou para si mesma a gêmea gótica.

Então, Kayle pegou rapidamente o capacete e escondeu novamente seus cachos luminescentes na escuridão de sua armadura.

- Eu vou admitir, você é linda. O Darkin só não a enxerga como mais que uma tropa por causa da sua autoestima baixa e traumas passados.

Kayle permaneceu quieta e cabisbaixa. Quando não respondeu nada, voltou-se corcunda para seus livros.

- Pode me dar licença? Preciso ler mais Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho.

Morgana usou sua magia das sombras no livro, o pulverizando com chamas púrpuras. Em algum lugar na floresta mais próxima, uma fada voltou à vida.

- Não, você precisa parar de afundar nos livros e fazer algo a respeito. Você pelo menos falou para ele como se sente?

- Se eu falar, ele vai dizer não ou provavelmente me aceitar como lacaia dele ou...

- Pois então, prefere acabar como eu? Incapaz de falar os próprios sentimentos?

Aquilo conseguiu retirar Kayle do torpor. Sua irmã estava tentando consolá-la? Não, pior, estava querendo dar uma dica genuína, nem parecia aquela gótica trevosa chata que gostava de posar. Morgana suspirou profundamente.

- Quando eu comecei a andar com o Sylas ele tinha acabado de cumprir pena na prisão. Ele era meio bandidão, tatuado, contava histórias como comia rato na cela de Durandal, vários sinais ruins, mas eu não esperava que fosse terrorismo. - ela baixou a cabeça. A memória devia causar dor - Nós tínhamos uma barreira de idade, sabe? O Sylas tinha por volta de uns 30 anos e eu digo para todo mundo que tenho quatro séculos, mas na verdade são cinco. Isso foi o bastante para que eu escondesse meus sentimentos e mergulhasse em psicologia e horóscopos para entender quando minha chance surgiria.

Outra pausa, ela encarou o palácio de Durandal e sua espada enorme. Em algum lugar, perdido naquela cidade, havia uma guerrilha comunista planejando o próximo passo para tomar os meios de produção de magia para o povo.

- Acontece que ele se envolveu com uma garotinha idiota com magia de luz e acabou voltando pra cadeia de novo. Uma menor de idade, por volta dos dezesseis anos. Ele ficou falando que quem havia incitado era um outro pedófilo que está a solta por aí, mas não tinha provas. No final das contas, ele gostava de garotas mais novas. Fiquei com tanto nojo e trauma que me contentei em virar uma bruxa sombria e gótica que solta alguns monólogos sobre coração ferido.

Morgana pousou a mão nas dragonas de Kayle.

- Não seja que nem eu, Kayle. Fale como você se sente, se não, quando descobrir que além de um terrorista o cara que você se apaixonou também era pedófilo, você nunca vai ter paz na consciência para partir para o próximo sujeito legal que gosta de mulheres mais velhas e góticas.

Kayle meditou por um instante, pensando no constrangimento da irmã, e viu que o conselho funcionou. Não porque se sentia mal pela irmã, era o mínimo que ela merecia por sair com um Che Guevara dos Magos. Era porque o Aatrox não devia ser um pedófilo, só um deicida extremamente exagerado.

Ela se pôs de pé e queimou todos os Eduardo Sabbag, Euclides e Charles Fourier que estavam em sua escrivaninha. Fadas voltavam a surgir a cada crepitar e provavelmente uma nova era das trevas se prenunciava, porém nada disso importa para essa comédia romântica.

- Obrigada, irmã. Eu sei o que preciso fazer agora.

Morgana sorriu e assistiu sua irmã pegar sua bolsa e começar a matar tropas na rua e reunir mais dinheiro.

Em breve ela alcançaria o nível 16 e sua autoestima estaria recuperada.

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