A MULHER EM CHAMAS

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"Das cinzas para cinzas todos nós vamos para casa

Leve-me até o fogo queimando

Eu surjo com as chamas

Eu sou o fogo queimando"

I'm the fire-Ghost Monroe


Em algum lugar no Mediterrâneo, 1026 E.C*

Ela corria tentando se acostumar à escuridão, sentindo as solas dos pés rasgar sobre o chão escorregadio e áspero, os braços e ombros bater nas paredes cada vez mais estreitas, ouvindo os sons dos passos ecoar nas poças rasas de água em meio a respiração ofegante misturada à pulsação.

Buscava um jeito racional de sair com vida, mas com todos aqueles ruídos, vozes guturais, parecendo cada vez mais perto se tornava impossível não se desesperar.

A fraca luz alaranjada vinha rapidamente em sua direção iluminando cada vez mais o fundo da caverna onde ela se encontrava encurralada com os seios desnudos subindo e descendo num ritmo frenético. A calça de tecido fino grudada nas pernas, de suor e água, não deixava nada coberto de fato, enquanto os olhos percorriam as paredes repletas de grafismo que contavam uma história.

A sua história.

— Ficai longe de mim! — gritou, ferozmente. — Não vós perdoareis ... nenhum de vós.

— Minha Senhora! — uma voz familiar respondeu. — A Minha Senhora precisavas ir tão longe assim? Entregue-se ... venha a nós.

Apesar da fala suave, não caiu no engodo; fez-se mais alerta vasculhando o chão em busca de uma arma. Agachou-se ao avistar uma pedra pontiaguda, ergueu-se logo em seguida equilibrando o peso da rocha na mão branca, suja de lama e sangue, pronta para arremessar contra o primeiro que se aproximasse.

E não demorou muito para se ver cercada pelas tochas que os homens de túnicas brancas seguravam para iluminar o caminho deles e dos homens de elmos, armaduras e lanças.

Ao se aproximarem, ela percebeu não só pelo olhar, mas também pelas almas deles, a decepção que atravessava as retinas de alguns; e nas dos outros, a raiva e o medo. Teve certeza do perigo que era aquele bando.

Apertou a pedra contra o próprio peito com força suficiente para magoar e sangrar a carne.

— Não! — gritou o mesmo homem de fala doce. — Não faças isso, Minha Senhora... não, por favor ... sejas clementes.

— Ele está vivo? Não mintas; eu saberei.

— Não saberei, eu, respondê-la, Minha Senhora; mas creio que não.

A dor inundou seu peito roubando a luz, a sensatez. Desfez da pedra ao levar as mãos ao rosto uivando como fera, se descabelando com a fúria de mil demônios. Só percebeu o quanto baixou a guarda ao ser imobilizada contra a parede por um dos soldados.

Tudo ficou vermelho, da cor da ira que a consumia. Usou dentes, unhas e pernas. E mesmo o guerreiro sendo mais forte, ela conseguiu lançá-lo longe, direcionado em seguida a fúria para os homens que a cercavam, deixando aos seus pés alguns corpos sem vida.

Até que a dor no peito ficou mais forte.

Aguda e dilacerante.

Olhou para baixo, percebeu cravada entre os pulmões uma lança. No calor do momento, a puxou com um grito que rasgou a garganta.

A dor do ferro pontiagudo rasgando os músculos foi excruciante. Perdeu o equilíbrio, largando todo o peso contra as paredes rochosas, ecoando o som oco de ossos se quebrando.

A mente dela se turvou num púrpura intenso, mesclando azul e dourado. Os mesmos tons que via transluzir em sua pele enquanto pela ferida aberta o sangue jorrava incandescente, iluminando a gruta com tons de laranjas e vermelhos.

Como se fosse a alvorada de milhares de sóis.

E as chamas lambiam o chão incendiando os homens que gritavam junto a ela. 

* E

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E.C: Era Comum: é o período que mede o tempo a partir do ano primeiro no calendário gregoriano. É um termo alternativo para Anno Domini, latim para "no ano do Senhor", também traduzido como a Era Cristã.

Das cinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora