A LUA DOS MISTÉRIOS

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Acácia saiu do palácio quando a noite fez de tudo breu, usando as vestes mais simples de sua ama. Era a primeira vez em anos que saía sozinha. Em uma caminhada curta até a praia sob uma tímida lua minguante, com o rosto descoberto sentiu-se livre.

O acampamento dos forasteiros estava mais cheio do que imaginava: algumas tendas, tochas espalhadas e música. Acácia amava a música. E muitas pessoas da ilha também estavam festejando com eles. Seu povo era acolhedor, e como ela, amava a música. Era uma pena ouvir tão pouca nos últimos anos.

Mas não foi o festejo que levou ali, seu coração impaciente ansiava por mais contato com aquele estrangeiro de alma ambiciosa que pulsava em tons e cores que outrora conheceu e amou. Ela o viu sentado num banco improvisado, mas foi ele quem a chamou:

— Hei! — Ergueu o caneco de cerveja. — Se procuras a mim, achaste! Cá estou, venha!

— Não procuravas a ti, contudo, mesmo assim, o achei. — Acácia sorridente sentou ao lado dele. — Apenas vim vê se tu e tua tripulação estão acomodados! Passas bens? Teus homens necessitam de algo?

— Como podes vês, estão todos agradados! — Apontou para os homens que bebiam e conversavam animados ao redor deles. — Odins tem nos abençoado imensamente e a Sua Senhora também! Leve a ela nossos sinceros agradecimentos! — Acacia meneou a cabeça em confirmação. — E tu, tu necessitas de algo, Senhorita?

Ele sorriu, ofereceu o caneco a ela.

— E por que razão tu pensas que necessito de algo?—Bebeu daquela mistura escura, encorpada e amarga tão diferente da que sua terra produzia. — Estou bem, como vês!

— Deveras... — O sorriso malicioso na face do estrangeiro cresceu ao mirá-la da cabeça aos pés. Ela fez menção de devolver-lhe a bebida. — Ficas tu, pegarei outro.

A noite seguiu com os dois conversando e bebendo. Ele era uma companhia agradável e sempre solícito para encher-lhe o copo. Acácia sabia que o forasteiro a embebedava para tirar informações, e fingiu-se bebada apenas para vê até onde ia a curiosidade dele.

— O que dizem de Sua Senhora é verdade? Há mais de 100 luas que vives?

—Lá! — Acácia apontou para o pé da montanha a alguns quilômetros de distância. — Lá vive Ghali, segundo os relatos é a mais antiga de Katafýgio, tem por volta de 95 luas e ainda é tão lúcida e vigorosa quanto qualquer jovem dessa terra; se tu perguntares a ela, ela dirá que quando nasceu, a minha senhora já era o que és, e que sua mãe e a mãe de sua mãe quando nasceu, Minha Senhora já caminhava por essa terra. Minha Senhora diz que a viu nascer com todas as cores mais pura, a abençoou na primeira hora e por isso a chamou de valiosa, querida e muito amada. Por que é o que ela é, uma criança amada ...

— Sua Senhora possui o dom da imortalidade, com uma deusa, ou apenas o nome que perdura?

Acácia o encarou séria.

— Diga-me, tu, meu caro senhor! Tu que este bravio mar tendes domados, das maravilhas desta e d'outras terras tendes provados, o que achas? É só um nome que perdura ou uma deusa, como chamastes, que vive nesta terra?

— Temo que eu possa ter sido rude com Sua Senhora, acredite, não foi meu intento. Se eu pergunto em demasia é porque anseio não saber relatar ao meu povo as benesses que Sua Senhora nos proporcionou. Não quero falhar na minha memória.

— Não foste, meu caro senhor! Mas eu realmente anseio em ouvir-te. Diga-me, acreditas em tal feito tão extraordinário?

— Eu creio nos deuses da minha terra, e nos terra dos homens que conheço e conheci. Se tu e todo esse povo crê, creio também eu. Contudo, não me disseste no que crê!

O estrangeiro a olhava intensamente, e na mesma medida Acácia devolveu o olhar.

— Não é só o nome que perdura! Minha Senhora é abençoada com uma longa jovialidade. E com seu toque e fala doce, pode abençoar ou desgraçar a sina de qualquer ser vivente. É nisso que creio, mas não a chamaria de deusa. Ela não aprecia, meu caro senhor!

— Leif! — sorriu carinhosamente para Acacia — Chama-me de Leif.

— Acácia! Este é meu nome.

— Sendo assim, Acácia — Era prazeroso ouvir o próprio nome sem tanta mesura. — Quando chegar o dia, Sua Senhora Imaculada dará à luz a uma nova Senhora. Sabes quando isso ocorrerá?

— Não saberei respondê-lo, Minha Senhora parece bem longe de findar essa era. Talvez os filhos dos filhos dos nossos filhos sejam agraciados com essa graça. Mas tu nisso não crês, não é mesmo?

—De certo, não tome por mim irá, contudo, é que " uma virgem gerar outra virgem" assim, sem conjunção carnal... apenas nas lendas creio seja possível.

Acacia segurou a gargalhada, mas seu rosto era todo satisfação. Ela realmente gostava da forma que aquele estrangeiro pensava, uma lástima ele não está de todo certo.

— Tu gostarias de ver para crer?

— Como disseste: somente os filhos dos filhos dos nossos filhos... espero que eles consigam presenciar. — O estrangeiro olhou para o céu, contemplativo —É a lua perfeita para termos a palavra, não achas?

— É a lua dos mistérios, dos sussurros antigos. Não a temes?

— Dos mistérios não carrego comigo temor, encantamento, desejo em desbravar seus véus e respeito é tudo que tenho. Nem mesmo da morte carrego temor... E tu, temes? — Ela negou com a cabeça. Ele a olhou em seus olhos — Teus olhos tão escuro ornam deveras com essa Lua.

Ela sorriu.

— Se tu quiseres, a lua pode ser tua essa noite; queres? — Ele meneou a cabeça concordando. — Dê-me sua mão! — Leif ponderou um pouco, e a entregou. Acacia ergueu a mão livre para o céu, e como quem apanha uma fruta, pegou a lua, a depositando na mão de Leif. — Dou-te a lua.

E ele gargalhou alto ao encarar a mão vazia.

Das cinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora