O ALVORECER NA FUGA

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Acácia estava sentada numa cadeira de madeira maciça, apoiando o cotovelo no peitoril da janela. Observava a alvorada coroar no horizonte por entre a densa mata. A lenha da lareira crepitava ao lado irradiando calor para o pequeno aposento com cheiro de cedro. E ao fundo do chalé, na espaçosa cama de palha coberta por camadas generosas de pele, ele dormia com os cabelos esparramados sobre o pelo cinza que outrora fora um lobo.

Ela apoiou a cabeça na mão espalmada se deleitando com a visão do amado, na respiração ritmada que fazia o tronco dele subir e descer, na expressão tranquila em seu rosto. E se deixando levar pelo momento, Acácia assobiou baixinho junto aos pássaros, despertando-o gentilmente.

— Não dormiste?

Ele apoiou as costas nuas na parede de madeira.

— Um pouco.

— Não ficas cansada?

— Às vezes.

E o riso rouco dele acariciou os ouvidos dela. E após se espreguiçar, levantou e caminhou nu até a jovem, expondo todas as cicatrizes de batalhas, novas e antigas, esculpidas no corpo de guerreiro. Ele se sentou no tapete com uma perna encolhida, e a outra esticada; deitou a cabeça no colo da amada. Ela voltou assobiar uma melodia melancólica enquanto acariciava os cabelos dele.

—Tu pareces triste, Acácia.

— Eles nos acharão. — Ela parou o que fazia para pescar a lágrima solitária que descia. — E quando acontecer não serão tão benevolentes. — Alisou a mancha roxa nas costas dele fazendo-a desaparecer. — Não sei se conseguirei encontrá-lo dessa vez...

— Eu sei...eu sei... E quando chegar a hora ficarei honrado em lutar ao teu lado, morrer ao teu lado e ir contigo para Valhalla. — Ele beijou a pálida coxa dela, e sorriu. — Portanto, não nos preocupemos com isso por hora.

— Não creio que tuas Valkírias me levariam para tal paraíso, criança.

Piscou para ele.

— Mal aparentas mais que vinte luas e vives a chamar-me de tal forma. Eu que sou homem-feito desde dos doze, um guerreiro brutal, com filhos, esposa e terras além-mar, ficaria injuriado se não fosse tu o que és...

Ele riu de si mesmo.

— Nessa altura de minha vida, todos os humanos até os anciões me parecem crianças... — suspirou pesarosamente, ao mirar o horizonte, sentindo o peso da culpa. — Sinto muito, eu deveria tê-los parados há anos, mas me envaideci com adoração despejada aos meus pés... Ah, Leif...

— Não podias controlá-los, Acácia. Nunca pudestes. —Sarrou a barba por fazer na coxa dela. — Não me chames mais assim. — Levantou a cabeça para olhá-la. — Esse é apenas o nome que tomei para lidar com as víboras peçonhentas desta terra... Prefiro até que me chames de criança. Ou melhor, que tu me chames pelo nome que ainda não te...

Ela o beijou, ternamente, nos lábios, ponta do nariz e nas rugas de preocupação da testa.

— Por que tu te afliges por isso? Não te recordas que também o ludibriei? — ele sorriu, mas foi triste. — Ora, criança, o que é um nome senão algo que nos é dado, ou que tomamos como nosso?! Eu mesma já tive vários, e de certo, ainda terei outros. Não preciso do teu verdadeiro nome para saber quem és... Eu o conheço.

Acácia tocou onde o coração dele pulsava.

— Conheço tua alma e ela vibra, canta e brilha em tons tão belos...tons que já conheci antes e que voltarei a conhecer. — Olhou para o colo, também nu, no qual pendia por entres os seios uma gema, como gota retorcida, de um vermelho alaranjado vivo, pulsantes e desatou os nós do cordão de couro. — Este é meu coração... ou parte dele... aceitei-o desta vez e cuide bem dele, já que é teu.

Ela colocou o cordão no pescoço dele, e ele a beijou na mão, no rosto, ombro e seios. Era tão terno e cheio de paixão.

— Conte-me sobre tua esposa e teus filhos de novo.

— Aude era esposa de meu irmão...tomei-a para mim quando ele faleceu. Eu tinha um pouco mais de dezesseis luas e com ela tive seis filhos ...

E a luz do dia banhou as suas cores sobre a pele dele

Das cinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora