7- GENTILEZA

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Era início de uma tarde quente quando o enviado de Eric entrou na lavanderia procurando por mim. Eu quase derrubei as minhas roupas que jogava na máquina com o baita susto que tomei com o tom alto do homem de óculos de grau, branco, rechonchudo, com a camisa branca suada debaixo de terno preto e os cabelos castanhos, ralos, grudados na cabeça.

— Lara J. Doe!? — Confirmei com um aceno de cabeça, e o homem me mediu de cima a baixo e estendeu o cartão. Percebi na cara dele o quanto ele estava desapontado. Em seguida disse com o tom mais baixo: — Sou Bruce Carter e represento o senhor Northman. Preciso que você me acompanhe imediatamente.

—E para onde ...

—Ele disse:— e pigarreou, forçando a voz:—, "Se ela te encher de perguntas apenas diga: pergunte menos, e aja mais"

Aquilo soava como o Eric.

Virei para Miguel, que observava a cena, e pedi para ele cuidar das minhas coisas e fui com o enviado até o carro dele.

Durante todo o caminho ficamos em silêncio, até tentei, no começo, puxar assunto, mas Bruce era monossílabo. Passei a reparar no caminho, e reconheci a área em que estávamos, era próximo a zona central, relativamente próximo do Fangtasia. Ele estacionou na frente de um prédio sem graça, com grandes janelas, de tijolos vermelhos, e saiu do carro em direção a entrada.

Fui atrás dele me recriminando pelo o quão rápido entrei naquele carro e na possibilidade disso ser uma cilada. Olhei para os lados, nada suspeito. Estava sendo otimista, e continuei andando me agarrando à certeza que se fosse uma armadilha, Eric ficaria amaldiçoado para sempre.

E ele não queria isso.

— O senhor Northman pediu para avisá-la que é impossível para ele voltar aquele lugar que fede a cachorro molhado — e arfou ao chegar no fim dos cinco lances de escadas. — E me mandou arranjar uma acomodação menos repugnante. Aqui está! — Retirou a chave do bolso e abriu a porta de madeira escura. — Essa é sua casa enquanto estiver em Shreveport.

Era só um cômodo grande, arejado graças a ampla janela com vista para o viaduto; com um balcão com duas bocas de fogão embutido, uma pia com armários embaixo; uma porta sanfonada, bem perto da porta da entrada, deixando amostra parte de uma banheira branca velha e o basculante fechado.

— O aluguel é pago mensalmente e não passa de 180 dólares. O dono é um conhecido do Senhor Northman...por isso, considere o valor cobrado uma gentileza. A única que ele fará por você, que fique claro O síndico virá cobrá-la no final de cada mês.

Ele retirou da pasta os documentos de locação e me entregou, eu estava tão atordoada e animada que assinei depois de uma rápida leitura, tão rápida que se me perguntassem não lembraria de nada, e assim que o advogado guardou as cópias dele, me entregou as chaves.

— O senhor Northman deseja vê-la essa noite. Ele disse que você sabe onde encontrá-lo.

E saiu me deixando no apartamento vazio.

De todos os lugares que eu tinha ficado até o momento na cidade, o apartamento era um luxo. As paredes não tinham manchas, a calefação parecia que funcionava prometendo um inverno tranquilo, e era fresco mesmo com o sol que fazia do lado de fora. E tirando a poeira, o local estava pronto para morar. Tinha até um colchão que eu só precisava bater e deixar um pouco no sol para que ficasse como novo.

Antes do anoitecer, eu já estava na entrada lateral do Fangtasia sentada na calçada pensando no que ele iria me falar. Estava certa que me contaria tudo sobre o meu passado quando uma garçonete magra, loira arruivada, usando uma minissaia preta com meia arrastão abriu a porta de metal do bar me convidando a entrar.

Das cinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora