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|| Laila Monteiro ||

📍Rio de Janeiro, Complexo da Penha, Sábado, 03:00.

Sinto um amargor na minha boca e a azia que já se tornou recorrente, enquanto solto um longo suspiro e bebo um gole de água da garrafa lacrada que a senhora que tem "cuidado" de mim trouxe essa tarde. Não sei que dia é, e pra ser honesta, perdi totalmente as esperanças de sair das mãos desse maníaco a partir do terceiro dia em cativeiro.

Não por desacreditar do meu noivo, mas porque estamos mudando de casa todos os dias, dificultando ainda mais pro Diego me encontrar. Tenho rezado tanto, pedindo principalmente à Deus pra proteger meu filho, que ainda é tão pequeno pra estar sofrendo tudo isso.

Respiro fundo mais uma vez sentindo meu nariz arder enquanto meus olhos enchem d'água e eu observo a noite escura pela pequena janela.

Nunca fui a menina que sonha em ter marido e filhos numa casinha de cerca branca e um balanço no quintal, sempre foquei na minha carreira, no meu crescimento profissional, e em como seria realizador pra minha família e até uma conquista pessoal me tornar uma médica renomada.

Mas o Diego chegou na minha vida dando jus ao seu vulgo, um trovão forte que abalou todas as minhas estruturas e invadiu todo o espaço com sua presença potente. Sua presença foi se tornando cada vez mais comum, e quando vi, já não conseguia mais existir sem estar convivendo diariamente com suas maluquices, suas risadas altas, seus carinhos, cuidados, mimos.

Seu jeito marrento que mesmo eu negando me buscava na faculdade de cara fechada pra marcar território, mas quando seus olhos encontravam os meus, se derretia inteiro.

As lágrimas banham meu rosto sem com que eu consiga perceber quando as lembranças de nós dois juntos em casa depois de um dia corrido me invadem a mente, quando ele comprava qualquer besteira pra jantar e depois de um banho bem gostoso cheio de safadeza, ficávamos deitados só fazendo carinho e aproveitando a presença um do outro.

Engulo em seco o nó que se forma na minha garganta, e um soluço contido me escapa sem permissão. Eu daria tudo pra estar segura nos braços que eu tanto amo, provocando ele com o "meu velhote" que ele tanto cisma.

Me preocupando se ele já comeu enquanto tá na boca, por conhecer sua dedicação e seu descuido com a saúde. Ou até mesmo jogada no sofá da casa dele com a creche da Gabi agarradinhos em mim enquanto eles bebem e riem na área externa.

Queria tanto estar com a minha família, não merecia estar passando tanto stress no início da minha gestação, e nunca vou me perdoar se alguma coisa acontecer com minha sementinha.

Toda minha visão de mundo e de futuro mudou a partir do momento em que esbarrei em um homem grisalho e extremamente gostoso. Hoje em dia me vejo exercendo a medicina ao mesmo tempo que me imagino com dois filhos que são uma mistura perfeita nossa correndo por um enorme quintal.

Escoro minha cabeça na parede gelada atrás de mim, enquanto sinto a mesma latejar e seco com o dorso da mão as lágrimas do meu rosto.

Franzo o cenho quando escuto alguns passos ao redor da casa, e fico ainda mais confusa quando pareço reconhecer a voz da Gabriela sussurrando ordens. Era de se imaginar que em alguma altura desse sequestro eu começaria a delirar, mas não imaginei que seria tão rápido.

O primeiro grito vem do andar debaixo enquanto um tiroteiro se instala pelos arredores do complexo. Me desespero pensando na nossa segurança e me jogo embaixo da cama, levando as mãos instintivamente ao meu ventre e me dobrando em posição fetal, querendo evitar qualquer mal de chegar ao meu bem mais precioso.

Escuto passos pelo corredor e fecho os olhos com força tentando me acalmar quando a porta é aberta de maneira brusca. A respiração ofegante de quem entra me faz temer os próximos minutos.

Coringa: para de gritar nesse rádio branquinha, já te falei que derrubei todos, mas não tô achando a patroa não pô - me viro bruscamente quando escuto a voz tão familiar do preto alto, e sorrio verdadeiramente quando a figura potente caminha nervoso pelo quarto com o fuzil em mãos enquanto discute com a líder pelo radinho.

Saio rápido de onde eu tava e corro até a direção dele me jogando no seu corpo e suspirando aliviada em estar com alguém que eu conheço e confio. Escuto o mesmo respirar fundo parecendo não acreditar que estou bem e ele afasta nossos corpos por um minuto enquanto me analisa dos pés a cabeça procurando alguma coisa e encaro ele confusa.

Coringa: cê tá bem pretinha? O meu cunhado tá mec né?! - faço uma leve careta pelas gírias que eu já deveria ter me acostumado e sorrio de leve confirmando com a cabeça e tranquilizando ele que me puxa pra um abraço novamente - maior medo de perder tu maluca, pelo amor de Deus - ele resmunga pegando novamente o radinho - tá comigo patrão, vou levar pro ponto de encontro - ele diz sem esperar uma resposta e me pega no colo, firmando meu corpo com um braço enquanto com o outro impõe o fuzil.

Fecho os olhos firmando a cabeça no vão do seu pescoço e rezando pra esse maluco saber o que tá fazendo, enquanto respiro fundo sabendo que eu posso confiar no meu "genro" de olhos fechados.

Ele corre comigo nos braços pelo meio de todo o tumulto enquanto os gritos ao nosso redor me fazem tensionar todo meu corpo, depois de uns dez minutos em que eu acho que rezei todas as preces conhecidas e desconhecidas, chegamos ao que parece a praça central, e ele me coloca no chão dando um beijo na minha testa.

Olho ao redor percebendo que vai ser um show de horrores como é de costume nos castigos da facção, e encaro todos os soldados ao redor fazendo uma enorme contenção, me trazendo rostos conhecidos e desconhecidos. O alívio toma conta do meu peito quando o lenço vermelho se encontra presente em todos os fuzis e quando meus olhos caem sobre a visão do piolho de joelhos em frente ao corpo forte e rígido do meu noivo suspiro feliz.

Laila: Ursinho?! - minha voz trêmula e embargada chama sua atenção e vejo o mesmo se virar de imediato para minha direção.

Seu corpo imediatamente relaxa enquanto seus olhos correm por todo meu corpo me analisando também, e ele vem depressa ao meu encontro. Pulo no seu colo buscando aconchego e segurança, e sinto seu suspirar na curva do meu pescoço, enquanto os braços me seguram com força e firmeza, parecendo temer minha fuga.

Me deixo em dias respirar tranquila, sabendo que todo o inferno ficou pra trás.

Me deixo em dias respirar tranquila, sabendo que todo o inferno ficou pra trás

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