Capítulo 7. With you

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Galera, esse capítulo contém gatilhos!!! ⚠️

[...]

Wednesday Addams

No mundo existem mais de 7,8 bilhões de pessoas. E isso consiste em diferentes raças, cores, religiões, culturas, hábitos, personalidades, entre tantas outras coisas. Incluindo características físicas.

Dizem que cada um de nós possuímos pelo menos um clone nosso em alguma parte do mundo, mas mesmo assim, não são perfeitamente iguais. Somos diferentes.

Até mesmo gêmeos idênticos tem alguma diferença, mesmo que seja somente na personalidade. Sempre existe diferença.

Algumas pessoas tem a diferença mais marcante como uma deficiência, por exemplo. A falta de alguma parte do corpo, ou algo a mais no mesmo como dedos ou sei lá.

Mas essas 7,8 bilhões de pessoas são únicas em suas diferenças. Somos únicos. Por isso não devemos julgar ninguém por ser “diferente”.

Ninguém é perfeito, mas somos perfeitos em nossas imperfeições. Confuso, mas isso quer dizer que não temos o direito de julgar ninguém por algum “defeito”. Não temos o direito de humilhar ninguém por alguma diferença em seu corpo, quando todos temos algo que não gostamos no nosso próprio.
E o pior defeito do ser humano é a falta de caráter. Julgar sem ver que seu julgamento pode ser pior. Suas ações valem mais do que características físicas.

Ao ouvir aquelas palavras tão repugnantes daquele homem que não tem nenhum direito de ser chamado de pai, foi como sentir uma ferida ser aberta em mim. Imagina como não é para Enid, afinal, ele era seu “pai”. Quanto tempo ela não passa ouvindo isso ou até coisas piores durante sua vida?

Assim que ouvi a palavra aberração, por puro instinto soltei a mão de Enid. Não por descobrir sobre sua intersexualidade, mas sim por puro choque com a frieza e crueldade que aquele homem se refere a sua própria filha sem se importar com a dor que suas palavras podem causar na garota.
Eu queria avançar em cima dele, ferir ele até ele perceber o que suas palavras significam para sua filha, até ele entender o que significa ser pai.

Mas eu não poderia partir para cima dele, não por medo, mas sim por estar grávida e isso pode não fazer bem ao meu filho.

Um ódio latente se formou em mim com aquela cena. Mas esse ódio triplicou quando o soluço sofrido de Enid cortou o silêncio do quarto.
Me voltei para ela novamente e a abracei da maneira que pude. Ela me olhou assustada ainda chorando ferozmente, então percebi que ela pode ter interpretado errado minha ação de soltar sua mão. Ela pensou que eu iria me afastar dela pelo que o homem falara. “Assim como todos fazem”, agora as palavras da minha mãe a minutos atrás fazem sentido. Assim que descobrem sobre Enid, as pessoas se afastam, por pura ignorância e preconceito. Por isso o bullying, as agressões.
Como pode o ser humano ser tão cruel e preconceituoso a esse ponto?
Ser intersexual não interfere em nada sobre a sua personalidade. Não é isso que define quem é Enid.

— Saiam desse quarto agora! — falei o mais friamente e rude possível para aquelas pessoas paradas vendo o sofrimento de sua filha e não se importando com isso.

— Escuta aqui menina, eu não vou sair daqui. Você é quem vai! Eu sou o pai del...

— Você não passa de um monstro asqueroso que ao invés de dar amor, carinho e proteger a filha, age como um troglodita preconceituoso! Você não tem o direito de ser chamado de pai porque você não sabe ser um, e você não é. E se vocês não saírem daqui agora, eu vou chamar a segurança e serão arrastados daqui por bem ou por mal.

O casal me olhava assustado. Eu não iria permitir que eles continuassem a maltratar a garota que apenas chorava em meus braços. Eu não deixaria mais ele a humilhar assim quando ele é que não era digno nem de pena. E foi quando ouvi novamente aquela voz que eu perdi totalmente o raciocínio.

— Por fa... favor, parem com isso. — disse Enid com a voz ainda mais rouca e baixa. — Wednesday, me desculpe por isso. Você não...

Enid tentava falar comigo em meio ao choro mas o homem a interrompeu, a ignorando por completo.

— Ela é sim minha filha, mesmo que não queira. Eu tenho todo o direito de fazer e falar o que bem entender com ela. Você é que deve ser uma doente para defender uma aberração. Ela deveria ter morrido, assim eu me livraria desse problema de vez.

Olhei para a mulher em busca de alguma ação em prol da filha, mas ela apenas assistia o homem despejar veneno contra Enid. Não era possível que ela não tenha feito nada para a defender em todos esses anos.

Por instinto passei a mão em minha barriga. Não importa se meu filho nascer com alguma deficiência ou algo de “diferente”, assim como Enid. Eu nunca seria capaz de renegar meu próprio filho por isso, e não permitiria que ninguém, quem quer que seja, o maltrate ou o magoe de forma alguma. Defenderia com unhas e dentes contra o mundo se fosse preciso, pois ser mãe é amar incondicionalmente seu filho, e jamais abaixaria a cabeça permitindo que falassem dessa forma com ele ou ela.
Mas Enid não tinha uma mãe de verdade para defendê-la, não tinha um pai para amá-la e cuidar. Não tinha ninguém por ela.
Não tinha, mas agora ela tem. Enid tem a mim, e eu sou capaz de defendê-la contra o mundo se for preciso, e o farei.

Quando ele terminou aquela frase, eu parti para cima daquele monstro o acertando um soco com toda a força que o ódio me permitiu. Ele deu um passo para trás, e eu senti minha mão latejar no mesmo instante do impacto com seu rosto.

Meus olhos estavam ardendo em uma fúria descontrolada, e eu só consegui voltar a mim quando ouvi um grito agudo atrás de mim e então o desespero me possuiu e corri de volta para a cama vendo Enid caída no chão ao lado da cama e manchas vermelhas se intensificando rapidamente em sua pele.

— Meu Deus, Enid! — exclamei apertando o botão atrás da cama dela e me ajoelhando ao seu lado. Ela me olhava intensamente, seu olhar estava vazio, mas era como se ela quisesse se desculpar pelo que tinha acabado de fazer.

— Santo Deus. — ouvi a mulher gritar ao lado do marido. — Olha o que você fez, Murray. Isso é culpa sua! — gritou ela e o empurrou e se aproximou de Enid enquanto eu tentava estancar o sangue.

— Eu não ouvi você defendendo ela em nenhum momento. — disse ele em um tom calmo, como se a filha não estivesse ali no chão a sua frente sangrando.

— SAIAM DAQUI OS DOIS, AGORA! — gritei pressionando o ferimento no peito de Enid a vendo fechar os olhos lentamente. — Por favor, Enid, fica comigo. Não durma, a enfermeira está vindo. Por favor, fica comigo. Olha para mim, Nid. Não dorme. — implorava para ela ficar comigo pois se ela dormisse eu tinha medo de que ela não acordasse novamente.

Olhei para trás novamente e o casal ainda estava ali parado. A mulher chorava olhando a filha, mas agora era tarde para demonstrar algum sentimento por ela, enquanto o homem continuava impassível, sério. Me preparava para mandá-los embora de novo quando a enfermeira entra no quarto acompanhada de minha mãe que corre assim que vê a cena.

— Wednesday, o que houve aqui? — perguntou ela ajoelhando ao meu lado e tirando minha mão do pescoço de Enid. Eu já chorava intensamente tentando não me afastar da garota. — Lexa, chame uma equipe para levar Enid e prepare a sala de cirurgia.

— Ela... Ela enfiou o bisturi no peito, mãe.

— E como foi que ela conseguiu esse bisturi? Enid... Eu sabia que ela estava pensando nisso. Mas não achei que iria realmente fazê-lo.

— Fazer o quê?

— Se matar. Enid estava depressiva e com tendências suicidas.

Sem tempo para digerir as palavras da minha mãe, uma equipe de enfermeiros entrou no quarto com uma maca. A colocaram rapidamente na maca e saíram correndo com minha mãe pressionando o sangramento. Eu segui a maca e segurei a mão de Enid mais uma vez, e seus olhos se abriram minimamente e o azul clarinho se encontrou com o meu e um sussurro saiu de seus lábios em um “Me perdoe.” quase inaudível antes de seus olhos se fecharem e sua mão se enfraquecer na minha.
Então, tudo parou, e a última coisa que ouvi foi a voz da minha mãe.

— Ela está tendo uma parada cardíaca!

E de repente, tudo escureceu.






Se eu não tivesse você - Wenclair | g!pOnde histórias criam vida. Descubra agora