Enid Sinclair
— Se ela fosse normal nada disso teria acontecido. — ouço a voz fria do meu pai e não sinto vontade de abrir os olhos e ver o que vejo todos os dias: Desprezo. Então permaneço imóvel de olhos fechados. Na verdade, eu queria nunca mais abri-los. Não queria mais estar aqui. Porque o Rowan não bateu mais forte em minha cabeça? Seria melhor assim.
— Murray, será que você não está vendo o estado dela? Ela é sua filha! Como pode ser tão insensível assim?
— Só disse a verdade. Se ela não tivesse nascido com esse defeito não apanharia quase todos os dias. Se soubéssemos que nasceria assim, seria melhor tê-la abortado enquanto ainda era tempo.
Ouvir essas palavras do homem que deveria ser meu herói, meu exemplo, meu porto seguro, doeu mais do que qualquer surra que já levei. Não consegui conter as lágrimas e o soluço que se prendia em um nó em minha garganta. Abri meus olhos ao sentir minha mãe apertando minha mão e olhei para o homem parado no meio do quarto.
Olhei em seus olhos buscando algum indício mínimo de carinho, mas nada encontrei.
O quarto ficou em completo silêncio, eu não sentia vontade de falar nada, pois tudo o que sairia da minha boca seriam palavras de dor, de toda dor que sinto por tudo o que já ouvi e senti de todos em minha volta.Queria dizer que não tenho culpa por nascer assim. Queria dizer o quanto eu desejo um abraço de conforto deles, de todos eles. Só um abraço, pelo menos uma vez em minha vida. Queria dizer o quanto dói ser desprezada em todos os lugares, inclusive dentro da minha própria casa. Que choro todas as noites até dormir por exaustão por saber que irei morrer sozinha, por não ser digna de amor. O quanto eu queria ser amada, uma vez, somente uma vez e me sentir amada de verdade. Me sentir normal do jeito que sou.
Mas não consigo dizer. As palavras ficam presas em minha boca e eu as guardo junto com todas as mágoas e decepções dentro do meu peito. Não quero mais viver. Não tenho motivos para continuar aqui. Se nem meu pai me quer, quem vai me querer?— Não chore, minha filha. Seu pai não quis dizer isso, tudo bem? — ela olha para Murray o repreendendo, mas eu não consigo parar de encarar ele com lágrimas caindo cada vez mais silenciosas em meus olhos. Ele não me quer ali. Ela também não me quer ali, não como quer a Leah. A filha normal. Minha mãe sente por mim apenas pena, não amor de mãe. Ela não olha para mim da mesma forma que olha para Leah, com amor e carinho incondicional. — Está sentindo alguma dor? Leah, vai chamar o médico.
Minha irmã me olha mais uma vez antes de sair do quarto. Murray e eu continuamos a nos encarar em silêncio. Esther tenta chamar minha atenção para ela. Acho que viu o que as palavras dele causaram em mim. O estrago causado em minha alma. Ele também viu o efeito de suas palavras, por isso não desvia o olhar. Naquele olhar eu busco o motivo que precisava para fazer o que já venho pensando a algum tempo e finalmente o encontro.
A alguns meses venho pensando em formas de morrer e motivos para fazê-lo. Motivos para tirar minha própria vida não faltavam, mas eu buscava desesperadamente um, somente um pequeno motivo para não me matar. Tinha um pequeno fio de esperança de achar uma razão para continuar aqui. Mas essa esperança morria a cada dia e hoje naquele olhar e naquelas palavras eu vi que não existia razão alguma para continuar aqui. E então decidi. Não haverá mais sofrimento para mim e nem para eles, pois só terão a filha perfeita e normal para cuidar.
Esther continua a falar, perguntar o que estou sentindo, mas eu não respondo. O silêncio é meu novo refúgio. Não adianta falar se ninguém quer realmente me ouvir. Então fico somente reclusa em mim mesma e meus pensamentos.
Sou minha única amiga, minha única família, somente eu mesma e meus pensamentos e será assim até que eu não exista mais. E isso está muito próximo de acontecer.
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Se eu não tivesse você - Wenclair | g!p
FanfictionÀs vezes nos percalços da vida tudo que precisamos é de alguém para nos apoiar. Wednesday se vê grávida aos 18 anos e abandonada pelo pai da criança, contando com o apoio de sua família, ela tenta aprender a cuidar de si mesma e de uma nova vida que...