Lura

Capítulo 23-Noivado

O trânsito no dia seguinte estava impossível pelo que atrasei-me a chegar na casa dos meus patrões, tinha a certeza que Antonieta ia fazer questão de marcar-me falta naquele dia. Parei em frente ao portão e respirei fundo me preparando para encarar aquela velha infernal, mas eu nem imaginava o que eu iria encontrar lá dentro.

Corri para a área de serviço, vesti o avental e amarrei o cabelo desajeitado para entrar na touca de capulana. Cruzei o jardim e já ia correr para a cozinha quando a vi descendo as escadas, parei quase que instantaneamente como se tivesse visto um fantasma, bem, podia dizer que ela era um fantasma de facto, dum passado que quanto mais tentava esquecer, voltava para me atormentar.

Virei para encara-la, vestida do roupão cor de rosa com plumas e as pantufas, como se estivesse na própria casa, ela espreguiçou-se contente, parecia ter tido uma ótima noite e eu já imaginava o porquê.

— O que faz aqui Beatriz? — as palavras saíram sem controle pela minha boca, seu rosto se contorceu confuso, ela então segurou no corrimão da escada descendo majestosa, com o nariz empinado.

— Eu poderia te fazer a mesma pergunta Lura.— sorriu com escárnio dessa vez e cruzou os braços vindo na minha direção, cerrei os dentes com raiva pensando no que eles poderiam ter feito na noite passada, de como ele devia ter tocado nela e feito ela sentir como eu me sentia em seus braços, odiava a ideia dele ter se deitado com ela, odiava como ela se movia como a dona da casa, odiava que ela o tivesse em seus braços.— Você não estava fazendo fama lá na rua Araújo? O que te fez voltar a trabalhar como empregada doméstica uhm?— olhou para mim de cima para baixo com superioridade e deu a volta examinando o meu corpo, permaneci calada, sem saber o que dizer, doía assumir mas ela ainda tinha um certo poder sobre mim e de certa forma a sua presença me intimidava.— O que aconteceu com seu negócio de prazer? Está tão desesperada assim? Ao ponto de voltar a limpar sanitas e esfregar o chão?

— Isso não é da sua conta.— respondi tentando manter a compostura e ela riu surpresa por ter lhe respondido.

— Wau!— bateu as palmas rindo.—As ruas te fizeram bem.— ela ria de escárnio, senti as lágrimas de raiva embaciarem a minha visão mas permaneci firme, ela continuava a olhar para mim pensativa.

— Mas pensando bem deve ser bem melhor esfregar o chão do que chupar paus e fazer todo tipo de sujeira por uns trocos.— falou com nojo, minhas mãos tremiam de raiva.

— Mas esse não pode ser o único motivo, você sempre foi muito ambiciosa.— se aproximou ainda mais e segurou no meu ombro chegando ao pé  do meu ouvido.— Quais são os seus verdadeiros objetivos aqui Lura?— e então se afastou para me encarar com o sorriso maldoso no rosto.

— Não me diga que está a tentar seduzir o Sr. Alberto como tentou fazer com o meu pai?— ela tocou na ferida e aquilo eu não poderia deixar passar, ela não tinha o direito.

— Cala a boca Bia!- avancei nela, mas antes que a minha mão chegasse ao seu rosto ela segurou o meu pulso com força.

— Olha aqui sua vagabunda.— Bia apertava meu pulso como se fosse esmagá-lo com a mão, estremeci.— Eu tenho o poder de destruir a sua vida.— tentei me soltar mas estava sem forças, as lembranças ácidas bloqueavam todo o meu ser.— Um comentário meu para Sílvia e você perde o seu emprego, coloque-se no seu lugar!— e então ela largou o meu braço e passou por mim dizendo em seguida com o sorriso cínico no rosto.— Eu vou para a piscina, me traz um sumo natural, sem açúcar sim?— então virou-me as costas e desapareceu pelo corredor que dava para o lado de fora, permaneci no mesmo lugar sentindo meu sangue ferver e sem pensar duas vezes subi para o andar de cima.

Estava cega, a visão embaciada e o coração aos pulos, ele não podia ficar com ela, eu me recusava a aceitar aquilo. Abri a porta do quarto dele sem bater e encontrei-o desnudo, apenas com os boxers vestidos e a expressão confusa, fiquei estática sem saber o que dizer a seguir.