Capítulo 19 - Amaldiçoada

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Lura

— Está com uma cara péssima. Não me diga que já voltou à má vida?— perguntou Antonieta na manhã seguinte, olhei para ela com cara feia mas não respondi, não havia energia em mim sequer para retrucar às suas provocações.

A verdade é que a noite passada tinha sido horrível, tentava dormir mas a cabeça girava em torno do mesmo assunto, vezes sem conta. Fechava os olhos com força tentando apagá-lo da minha mente mas os lábios carnudos próximos dos meus, seus olhos penetrando os meus e aquela expressão de senhor do universo acabavam comigo. Sorrateira minha mão deslizou pelo vestido de noite de cetim que usava, senti meus mamilos eriçados e o calor no meio das minhas pernas mas quando cheguei à virilha abri os olhos reprimindo o meu desejo. Odiava o efeito que ele causava em mim, irritada levantei-me da cama e fui até à cozinha buscar um copo d'água.

Eu sabia que não conseguiria esquecê-lo tão rápido mas precisava fazê-lo e rápido! Nwando não tinha muito para me oferecer e eu havia jurado para mim mesma que lutaria para sair da miséria, Bruno em contrapartida, poderia não ser muita coisa mas ele iria levar-me para um mar de oportunidades, ele era um futuro seguro. Talvez eu nunca voltasse a pisar em Moçambique, talvez eu nunca mais fosse ver aqueles olhos cor de mel, e em algum momento a silhueta do seu corpo escultural seria apenas uma lembrança esfumada em minha mente, talvez eu o esqueceria assim que adentrasse no tal cruzeiro.

Tentava insistir nesse pensamento mas a possibilidade de ele ficar com outra mulher e dar a ela o que eu gostaria que fosse meu, estava a matar-me. Doía saber que eu nunca seria a escolhida e que no final das contas eu era apenas um erro que ele cometeu em uma noite de aventura.

— Rala bem esse côco!— berrou Antonieta pela décima vez naquela manhã, revirei os olhos.— O caril de amendoim precisa estar nos trinques, a menina Beatriz adora.— disse animada, senti minha raiva crescer ainda mais.

Eram só dez horas da manhã mas o aparato para o jantar era grande, Antonieta dava ordens sem parar e haviam mais de cinco pratos a serem servidos, estava morta de cansaço pela noite mal dormida e o meu humor já tinha ido pelo ralo fazia tempo.

— Eu disse para limpar bem a sala, este chão não está a brilhar.— constatou irritada enquanto acabava de limpar a sala.

— Antonieta?— chamou-a Dona Sílvia descendo pelas escadas e então parou no meio delas me encarando com um sorriso acolhedor.— Será que poderia passar o meu vestido para mais logo?— disse como quem acabava de inventar aquela desculpa e ela fez que sim com a cabeça e subiu com pressa para o andar de cima, Sílvia riu-se e caminhou até mim com ar de quem queria segredar-me algo:— Ela fica obcecada com esses eventos, eu acho que Antonieta trata esta casa como se ela fosse a própria dona.— dito isto ela riu da própria fofoca e eu ri também concordando.

— Não a leves a mal, é a idade.— disse tocando em meu ombro.— Enquanto ela está lá encima por que não fazes uma pausa?— perguntou de muito bom humor e eu agradeci aliviada.

Saí em direção ao jardim na parte de trás da residência, sentei-me no pequeno passeio e estiquei os pés sobre a grama, o barulho do motor do corta-relvas impedia-me de relaxar e cada vez mais se fazia ouvir demonstrando que o jardineiro se aproximava do local onde me encontrava, ele acenou para mim num cumprimento cordial, fiz o mesmo descontente com a sua presença.

Nwando não tinha dormido em casa naquela noite, eu sabia disso porque quando cheguei seu carro não estava na garagem e quando fiz a limpeza no seu quarto a cama estava feita, assim como a tinha deixado no dia anterior, ainda me perguntava para onde teria ido e se voltaria realmente para o jantar como havia prometido à sua mãe.

— Aqui estás tu! Aquele carvão não vai se acender sozinho.— disse a velha bruxa tirando-me de meus devaneios, levantei-me rápido para segui-la.— Um bom caril de amendoim não se faz no fogão à gás, deve ser no carvão, assim como a xima¹, sabes mbondzar² bem a xima?— perguntou com um olhar desconfiado, fiz que sim com a cabeça e ela pareceu acreditar em mim para variar.— Ainda bem, os meus braços já não aguentam e muito menos a coluna.

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