Capítulo 33-Desastre

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Lura

Saí desconcertada da área de serviço, não sabia ao certo o que ainda estava a a fazer ali, caminhei no modo automático na direção do eletricista para entregar-lhe a chave estrela sem conseguir ver com clareza as imagens à minha frente, meu coração batia descompassado, queria correr, fugir dali e nunca mais voltar. Não me lembrava mais da razão daquilo tudo, o porquê de ter-me submetido a tamanha humilhação, que espécie de vingança era aquela? Olhei ao meu redor com vontade de levantar as mesas perfeitamente arrumadas e destruir tudo, isso sim seria vingança, não aquela atitude patética que estava a ter, mas por muito que quisesse eu não conseguiria, não conseguiria ser como os meus opressores, destruição e revolta não me tornaria melhor que eles, mas sim pior.

Perdida em meu monólogo, ouvi o portão se abrir e de lá entrou um carro preto com vidros fumados, aguardei curiosa para ver quem era. Mãe de Beatriz e a sua irmã desceram do carro com os vestidos arrojados, perdi a noção de como se respira, o ar parecia ter desaparecido da minha garganta. Como eu fui tola ao ponto de pensar que aquela cerimónia seria o meu dia de vingança? Aquele dia era com certeza o dia do meu enterro.

Sílvia saiu para atendê-las, as duas se abraçaram com carinho e enquanto conversavam, Elsa, a irmã de Beatriz virou-se para o jardim curiosa para ver a ornamentação e foi quando ela me viu, seu rosto antes de menina tinha agora traços de mulher, seus olhos arregalaram instantaneamente como se tivesse visto um fantasma e a boca ficou entreaberta, mas antes que ela pudesse dizer alguma coisa, sua mãe disse alguma coisa e ela desviou o olhar sendo de seguida arrastada para dentro.

Mal tive tempo para pensar no que fazer a seguir pois a equipe de garçons chegou e eu era responsável por explicar para ele a ordem em que iam servir os pratos e mais dez mil orientações que estavam na lista da nossa querida patroa Beatriz. Duas horas se passaram e finalmente tudo estava pronto, olhei para o cenário da festa com orgulho, eu havia garantido que o noivado de Beatriz e Nwando fosse perfeito, ironicamente incrível.

— Lura! Está encantador.— senti as mãos de Sílvia em meus ombros apertando de leve e ela deu leves batidinhas satisfeita, virei-me para ela, Sílvia tinha os olhos cheios de lágrimas:— Finalmente o meu menino vai seguir o seu próprio caminho.— disse pensativa, senti um nó se formar em minha garganta.— Está decidido Lura, a partir de amanhã o cargo de governanta é seu.— olhei para Dona Sílvia incrédula, ela sorriu confirmando o que acabava de dizer.— E Antonieta?— perguntei.— Ela já devia ter reformado faz tempo mas fomos arrastando porque não havia ninguém capacitado para ocupar o cargo dela, mas tu provaste o teu valor Lura.— quis responder mas logo os primeiros convidados chegaram e ela se afastou para recebê-los, permaneci sem reação, em outro tempo aquela notícia me deixaria feliz, mas a realidade era outra.

Coloquei-me ao fundo apenas supervisionando o trabalho dos meus subordinados, essa era a minha desculpa para ficar nos bastidores pois não pretendia ser vista nem pela mãe de Beatriz, ou Elsa, ou Beatriz, ou Nwando ou Mauro. Até então o meu plano de me tornar invisível estava a correr com sucesso, até que o vi, a personificação dos meus pesadelos e terror noturno, o pai de Beatriz. Minhas pernas ficaram bambas e a boca ficou seca, o mundo ao meu redor começou a desvaneicer e as pessoas pareciam se mover em câmera lenta, nossos olhares se cruzaram, achei que ele não fosse me reconhecer mas logo que me viu seu olhar de predador cortou a minha alma e os flashbacks inundaram a minha mente.

Flashback on:

— Shhhh! — disse colocando a mão na minha boca, meu corpo de menina foi esmagado pelo seu peso, chorava assustada tentando gritar.

Fazia tempo que o Sr. Mutemba tentava seduzir-me, com presentes e segredos, olhares e pequenas carícias, mas na minha inocência de criança achava que ele era o único que me tratava bem naquele inferno, eu estava errada, ele estava a tentar aliciar-me desde o início.   Enquanto ele puxava a minha calcinha e a arrancava juntamente com a minha inocência, senti o medo arrepiar minha espinha, achei que ia morrer, mal conseguia respirar com o seu corpo esmagando minhas costelas e a mão que  tapava a minha boca e nariz impedindo-me de respirar direito.

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