Capítulo 35- O Fim

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Nwando

6 meses depois

Olhei novamente para a caixinha cor de vinho enveludada disfarçadamente por baixo da mesa, meus dedos formigavam de tanto que a apertava, meu pé batia freneticamente no chão tentando acalmar os nervos, Lura me encarava desconfiada, num vestido cor de vinho elegante que eu havia comprado para ela com o dinheiro das gorjetas gordas do casino onde fazia alguns biscatos¹. Como ela era linda, seu rosto era esculpido de chanfuta², seus traços angelicais impediam-me de respirar direito, seus lábios eram tão suculentos que me atraiam para perto deles como uma abelha é atraída para o pólen da mais fina flor, seu cheiro era fresco como uma manhã no paraíso, seus olhos estreitados e confusos me fizeram sorrir sem querer, eu a queria para mim, para sempre.

— O que foi? — ela perguntou enquanto o garçom do rodízio cortava a carne em seu prato.— Obrigada.— disse para ele desviando o olhar por um segundo dos meus, engoli em seco procurando as palavras e um filme dos últimos seis meses passou na minha cabeça como um flash:

No dia seguinte ao escândalo do meu noivado com Beatriz fomos a capa das principais revistas de fofoca do país e assunto em todas as redes sociais, por muito que meu pai tentasse colocar processos encima de processos nas emissoras da informação, a fofoca foi se espalhando de forma tão rápida que não tinha mais como tapar o sol com a peneira. Beatriz viajou de volta para a Europa no dia seguinte, deixando apenas uma mensagem no seu Twitter dizendo que estava muito abalada e que  estaria fora das redes sociais por algum tempo, essa mensagem também viralizou mas ela não respondeu a nenhum dos comentários e desapareceu  de nossas vidas como se nunca tivesse sequer existido.

Seus pais tiveram que mudar de casa pois os jornalistas estavam sempre à porta sedentos por respostas, mas eu sabia que não era só por isso, a razão pela qual estiveram insistindo que se efetivasse a união entre a família Mbalate e Mutemba era pelo simples facto deles terem entrado em falência, depois que entraram novas empresas estrangeiras do ramo de combustíveis e pétroleo em Maputo, a empresa do pai de Beatriz vinha perdendo mais e mais clientes e agora com o escândalo seus poucos acionistas com medo de serem envolvidos no escândalo, foram tirando as ações um a um, deixando eles na banca rota.

A polícia entrou em contacto conosco tentando investigar o caso, mas Lura não aceitou dar nenhuma declaração e o caso foi encerrado, nenhum de nós dois falou nada sobre desde aquele dia, para ser mais exato. Mas eu não conseguia deixar aquilo passar, todas as noites enquanto ela repousava descansada em meu peito, eu permanecia acordado encarando o teto, um fogo ardente trespassava o meu peito sempre que imaginava aquela cena, agarrava-lhe com força como se a pudesse proteger daquilo que ela tinha passado, mas continuava a sentir-me indefeso, fraco, inútil... Era uma tortura que adoecia a minha alma, cada pedaço do meu ser queria justiça, queria que aquele filho da puta morresse, pelas minhas próprias mãos. 

Eu sabia que eu havia prometido a ela que deixaria o assunto passar, que não haveriam mais segredos entre nós mas eu não aguentava mais ficar de braços cruzados. E foi por isso que eu digitei aquela mensagem, eu sabia que era perigoso, que eu poderia perdê-la para sempre mas eu preferi arriscar mesmo assim, que tipo de homem eu seria se não fizesse nada, se eu desistisse sem ao menos tentar? Naquela noite eu sabia que tudo ia mudar mas estava disposto a lidar com as consequências para que ela tivesse a justiça que merecia.

E foi assim que a minha investigação privada começou uma semana depois do escândalo, e depois de três meses eu estava tão enrolado naquela sujeira que não tinha mais como voltar atrás, e eu não queria voltar atrás, a cada segundo que passava, estava mais próximo de conseguir incrimina-lo, de mandar aquele merda para a cadeia. Nesses três meses descobri que existiam outras vítimas: uma criança de doze anos, filha de uma antiga empregada, que foi mandada embora da casa dos Mutemba, pouco tempo antes de Beatriz voltar à Maputo. Uma sobrinha que passou as férias em casa dos Mutemba há alguns anos, agora ela era adulta e já entendia o que tinha se passado com ela mas ela tinha medo de falar e ninguém acreditar nela. E isso não era nem a metade, várias funcionárias foram assediadas por ele e várias foram mandadas embora por terem tentado reagir, e a lista continuava, eram assistentes, garçonetes, assistentes de bordo, aquele homem asqueiroso não conseguia ver uma mulher jovem que já ia atrás. Todas elas tinham um padrão, dos dezoito aos vinte e um anos, magras, com rosto de menina, que não tivessem poder algum, para não terem como se defender dos seus ataques. Lembro-me de ter passado mal naquele dia, em que ele me trouxe o d'osier final com as provas. Lura perguntou-me o que se passava quando voltei para casa com cara de quem viu um fantasma naquela noite, mas eu disse apenas que tinha comido alguma coisa estragada durante o dia e ela fez uma sopa para mim, que eu não consegui comer nem três colheres, meu estômago estava embrulhado. Naquela noite, assim como na maior parte das noites nos últimos seis meses, nós não fizemos amor, não porque eu não a desejava, Lura era o oxigénio para a minha combustão, seu toque despertava os meus desejos mais profundos e eu a queria a todo tempo, mas quando ela olhava para mim a culpa corroía os meus ossos, mentir para ela estava a acabar comigo, eu não deveria, mas a tortura estava a chegar ao fim e é por isso que estávamos sentados naquela mesa, jantando como se tivéssemos uma fortuna, brincando de luxo e luxúria por uma noite, nós merecíamos, aquele era um dia muito especial.

LuraOnde histórias criam vida. Descubra agora