Lura
Observava o belo pôr-do-sol sentada no cimo da pequena montanha ao pé de casa, observava as casas de caniço, as crianças brincalhonas tomando banho no quintal, trajadas da inocência, sem se importar com a própria nudez. Sorri inspirando o ar fresco, perdida na imensidão daquela bela paisagem. Haviam se passado duas semanas desde que tinha voltado para casa e não podia estar mais feliz, tudo parecia ter se encaixado finalmente, mesmo que meu interior estivesse em pedaços. Tentava acostumar-me com a vida de campo, tranquila e sem sobressaltos, pensava em abrir um negócio pequeno e honesto que me desse uma renda estável. Mas a quem eu queria enganar? Depois de tudo que eu havia passado, de tudo que tinha vivido, eu não me contentaria com tão pouco, não conseguiria viver a mesmice de acordar com o cacarejar do galo e dormir à hora em que os pássaros se recolhem, era difícil crer que aquele era o meu destino, eu merecia mais, eu sabia disso.
— Mana!— gritou Leila ao longe deixando a pasta no chão e correndo em minha direção, abri os braços para ela e quando me alcançou, pulou em meus braços derrubando-me na grama, rimo-nos e então deitou-se ao meu lado e ficamos assim, em silêncio, olhando para o céu azul límpido.
Leila estava com treze anos, embora estivesse a desenvolver-se tão rápido quanto Pindile, ela agia em conformidade com a sua idade, brincava com bonecas e ainda tinha uma fala infantil. Virei a cabeça para encarar o seu rosto de menina, sorri e senti a garganta fechar só de pensar que fui levada para trabalhar na capital com quase a mesma idade que ela tinha. Era meu dever protegê-las do mundo cruel e injusto em que vivíamos, proteger a sua mocidade dos homens que não se importavam de destruir a vida de uma criança, dos homens asquerosos que se excitavam ao olhar para meninas puras e inocentes como ela.
— O que foi mana Lu?— perguntou com o rosto contraído, limpei a lágrima que escapou dos meus olhos e sorri respondendo:— Nada. Estou só feliz por estar aqui convosco.
— Nós também estamos muito felizes por teres voltado, eu sei que a mana Dila não demonstra, mas ela também está muito feliz, ela só é chata mesmo.— ri desta vez e levantei estendendo a mão para ela. — Vamos, Pindile vai ficar ainda mais zangada comigo se eu não ajuda-la a fazer o jantar e tu precisas tomar um banho.— olhei para ela e vendo o uniforme completamente sujo ri mais ainda e provocando-lhe perguntei:— Tens certeza que foste à escola estudar ou brincar? — ela deu uma olhada em si mesmo e sorriu envergonhada.
— Eu não queria brincar cheias¹ mas a Marta pediu uma partida e disse que eu ia perder, eu não podia deixar isso barato...— ela continuava a contar sobre o dia na escola e eu sorria encantada com as suas trafulhices enquanto caminhávamos para casa.
A casa estava diferente, no dia seguinte à minha chegada chamei alguns empreiteiros locais e iniciei as obras, não daria para fazer tudo com o pouco dinheiro que tinha juntado mas não podia deixar a casa naquele estado deplorável. Substituíram as chapas de zinco furadas, as paredes foram rebocadas e pintadas, um muro foi feito ao redor da casa para criar mais privacidade e a casa-de-banho exterior, antes com latrina e paredes de caniço foi transformada numa casa-de-banho de pedra com vaso sanitário e um chuveiro. Os vizinhos estavam com inveja e falavam pelos cantos sobre mim mas minha mãe não ligava a mínima para os comentários maldosos, ela parecia muito orgulhosa.
Levamos meu pai à força para o hospital, o velho rabugento insistia que não ia adiantar nada mas depois de muita insistência finalmente aceitou, lá foi feito uma bateria de exames, tendo sido diagnosticado com Silicose, uma doença pulmonar causada pelo pó a que era exposto nas minas. Não tinha cura, mas ele iniciara um tratamento para aliviar os sintomas e retardar a evolução da doença. Pedi à médica que fizesse um relatório para eu poder enviar para a empresa onde ele trabalhava, afinal de contas ele contraiu essa doença trabalhando para eles, era no mínimo justo que eles se responsabilizassem pelos custos do tratamento e que o indemnizassem. Mas muitas vezes isso não acontecia, vários de nossos pais, tios e irmãos iam para a vizinha África do Sul trabalhar nas minas, realizar o trabalho que máquinas pesadas deveriam fazer, recebendo uma ninharia e sem o mínimo de condições de trabalho e quando não servissem mais para o trabalho eram descartados como lixo.
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Lura
RomanceLura é uma jovem mulher de grandes ambições, desde pequena seu maior sonho sempre fora abandonar a aldeia em Inhambane e conhecer o mundo e ela fará de tudo para alcançar os seus objetivos... Tudo! Vendida pelos pais como empregada doméstica para um...