Capítulo 27-Recomeço

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Lura

Vagueava pelas ruas mortificada, as lágrimas caíam descontroladas em meu rosto parado no tempo, ouvia as buzinas ao atravessar a estrada sem olhar para o semáforo sem me importar que fosse atropelada, minhas pernas se moviam em modo automático à medida em que meu coração afundava no peito, sem conseguir perceber o que havia acontecido, tudo aquilo parecia um pesadelo do qual eu queria acordar. Cheguei ao meu apartamento e procurei a chave em meu bolso e quando já ia destrancar a porta, Sr. Zé, o dono do apartamento, apareceu.

— Lura! Já estava preocupado, nunca mais recebia a chave.— sorriu nervoso já imaginando que eu não me ia embora.

— Sr. Zé me desculpe, mas eu acho que...— dei uma pausa tentando me recuperar.— Quer dizer, será que podemos renovar o contrato? Acho que já não vou viajar.— falei com a voz quase inaudível.

— Oh!— respirou fundo pensativo e ficou em silêncio por um instante como se estivesse a escolher as palavras certas para dizer.— Eu adoraria mas infelizmente já assinei o contrato com a nova inquilina esta manhã mesmo, se ao menos tivesses dito antes.— coçou a cabeça sem jeito.

— O quê? — não podia crer que já havia outra pessoa pronta para arrendar aquele apartamento. — Sr. Zé por favor, eu sou sua inquilina há algum tempo...

— Eu percebo Lura, de verdade. Mas não há nada que eu possa fazer. Ela já pagou um ano adiantado e eu já tenho planos com o dinheiro então...

— Eu posso pagar dois anos adiantado.— rebati mesmo sabendo que era impossível, não queria perder o apartamento, era tão difícil encontrar um àquele preço no centro da cidade.

— Lura tu nem conseguias pagar a mensalidade á tempo, quanto mais dois anos.— disse céptico mas não estava pronta para abandonar aquele lugar, não tão já.

— Eu arranjo um jeito, eu juro! Por favor confie em mim, não faça isso comigo Sr. Zé, por favor.— segurei na mão dele em súplica, depois de tudo que eu tinha passado naquela manhã, eu não podia ficar sem teto também.

— Eu lamento Lura, mas você sabe o que falam aqui no prédio, sobre eu albergar meninas que bem, você sabe.— ponderou nas palavras e eu segurei em meus cabelos sentindo meu mundo ruir.— A nova inquilina é uma mãe solteira e tem uma filha pequena, ela já passou por muito e parece ser gente boa, eu não posso...

— Então uma mãe solteira merece um lugar digno para viver mas uma prostituta não? — perguntei com raiva e ele não conseguiu responder, confirmando com o silêncio. Sorri com escárnio e destranquei a porta para retirar a mala que era o único pertence que estava no apartamento vazio, depois entreguei-lhe a chave e dei-lhes às costas com a cabeça erguida como se eu soubesse o que estava a fazer.

A verdade é que eu não sabia. Não tinha casa, não tinha emprego, eu não queria voltar a trabalhar na casa de Nwando e se eu tentasse trabalhar nas ruas de noite seria apedrejada pelas minhas próprias companheiras, eu não tinha mais amigas, se elas tivessem que escolher entre mim e Sarita, ninguém faria frente á Sarita. Estava perdida, de novo, na rua, sozinha.

Lembrei-me daquela fatídica noite que mudou a minha vida, meus joelhos fraquejaram, senti medo e repulsa de mim mesma, talvez eu devesse passar por aquilo tudo, era tudo culpa minha no final das contas, eu envolvi-me com Nwando sabendo das consequências.

Nwando...

Nwando...

Nwando...

Eu o odiava na mesma proporção que o amava, aquele sentimento estava a matar-me. Nwando havia tirado tudo de mim, ele era um cancro, precisava desfazer-me dele, o que ele fez desta vez era o basta. Ele não tinha o direito, de prender-me e estragar tudo, eu jamais iria perdoa-lo. Não era mais aquela garota inocente e indefesa de há 6 anos atrás, precisava recompor-me e deixá-lo ir de uma vez por todas. Mas a raiva em meu peito e a sede de vingança que circulava em minhas veias eram a cólera da minha alma, queria que ele sentisse o que eu estava a sentir, aquela dor dilecerante, a dor de perder tudo que era importante para mim, a dor de perder o controle da própria vida, a dor de ser tratada como um brinquedo na mão de outra pessoa. Eu queria tanto vingar-me dele mas ao mesmo tempo queria nunca mais olhar para sua cara, talvez esse fosse o melhor castigo: sumir da vida dele e fazê-lo questionar todos os dias se eu teria chegado à Europa, sumir da vida dele e nunca mais voltar.

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