Nwando— Eu não vou me casar.— disse pela milésima vez naquela noite.
O velho continuou a olhar para frente como se não me ouvisse, sentado na sua cadeira de balanço no vasto escritório, o charuto repousava em sua mão, ele nem fumava mas gostava de ter pinta. Havia uma lareira a nossa frente que imitava os filmes americanos, ainda me recordava do dia em que a minha mãe exigiu que ele mandasse coloca-la assim que nos mudamos para aquela casa. Inúmeros livros de direito repletos de leis que não eram cumpridas pelo governo repousavam na estante frondosa de chanfuta, meu pai balançou a cabeça desapontado, aquela não era a resposta que ele queria.
— Nwando, eu não vou viver para sempre, com a saúde que tenho não me tarda muito para bater as botas.— inspirou fundo esfregando as palmas sobre os joelhos.— Será que é pedir muito que tu me dês um neto?
De novo aquela história, para as famílias africanas os filhos são a maior riqueza que um homem pode ter e os netos a recompensa do trabalho árduo que foi criar os filhos, a família é como um embondeiro, deve ter raízes fortes e inúmeras ramificações, para o meu pai estava na hora da nossa árvore começar a dar frutos para que o nosso nome perpetuasse de gerações em gerações, já que ele era o único filho homem do meu avô e as cinco irmãs tiveram filhos que pertenciam automaticamente às famílias dos seus maridos, a responsabilidade de continuar a nossa linhagem era inteiramente minha.
— Pai, o senhor não irá morrer tão já. E eu irei lhe dar muitos netos quando encontrar a mulher dos meus sonhos e me casar com ela mas ainda é muito cedo para mim.— sorri para tranquiliza-lo. Era tudo mentira, eu não pretendia casar nem agora nem nunca, para mim o casamento era uma perda de tempo, uma fantochada, porquê ficar com uma mulher se no final eu vou precisar de vinte na rua?
A poligamia é uma realidade no nosso país, eu diria até que é uma regra em nossa cultura, ela é transmitida pelo sangue e reclamada pelo instinto quando deixamos de ser meninos, e eu não era excepção. Eu sabia que o meu pai traía a minha mãe, embora ele não desse nas vistas e tentasse enchê-la de presentes caros e bojegangas de toda espécie, não havia amor, apenas posse. Já tinha escutado várias vezes as suas discussões e quando chegava às altas horas da noite com cheiro de perfume barato que as meninas da minha idade usavam era eu que abria a porta para ele, o juíz supremo poderia fingir mas a mim ele não enganava e eu não queria passar por aquilo, não iria me sujeitar àquela vida infeliz e monótona só porque a sociedade assim o queria.
— Cedo? — riu incrédulo.— Eu com a tua idade já tinha lobolado¹ a tua mãe com o meu próprio dinheiro e construído um lar, humilde claro, mas um lar para ela...— ele continuava a falar mas eu não escutava mais, conhecia aquele discurso ao pé da letra sobre o quanto ele era um homem de garra que tinha sacrificado tudo pela família. Era exaustivo.
— Os tempos mudaram papá...— tentei rebater mas rapidamente cortou-me.
— Os tempos não mudaram, este é o ciclo normal da vida Nwando, tu não podes ser criança para sempre, um homem deve casar, sair da casa dos seus pais e formar uma família. Mas tu te acomodaste na vida abastada que nós te proporcionamos...— respirei fundo apoiando os cotovelos em minhas coxas, faziam meses que o kota² não parava de falar daquilo.
— Então é esse o problema? Quer que eu saia da sua casa?— perguntei enraivecido.
— Não, eu quero que você ganhe um rumo na sua vida.— ficamos em silêncio por alguns minutos olhando para a lareira artificial até que ele atacasse de novo. — A filha dos Mutemba voltará do exterior em breve.— olhou para mim pelo canto do olho, eu já previa onde aquela conversa daria.— Se recorda dela? Como é que se chama mesmo?
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Lura
Lãng mạnLura é uma jovem mulher de grandes ambições, desde pequena seu maior sonho sempre fora abandonar a aldeia em Inhambane e conhecer o mundo e ela fará de tudo para alcançar os seus objetivos... Tudo! Vendida pelos pais como empregada doméstica para um...