CAPÍTULO 39

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O fogo subia e consumia, os rostos derretiam, rostos queridos e amados. A pele da mesma forma que o sangue, a boca presa em um grito se transformando em chamas. O fedor de carne queimada e carbonizada invadindo seu nariz. Pedras caindo e soterrando junto com calor carbonizando seus corpos. Todos sendo resumidos a nada mais do que pó e fogo. O vermelho se misturando com a poeira e os gritos sendo silenciados. Tiros e bombas tomando seus tímpanos. Então outro rosto conhecido sendo explodido diante de seus olhos. O corpo no chão se juntando a tantos outros, que conversava, que brincava, que sorria, que amava. As chamas consumindo todas. Era questão de tempo delas chegarem também nele.

Mas não conseguia correr. Não conseguia gritar.

Estava fadado a morrer no fogo como sua família.

Acordou desesperado, seu corpo travado, assim como sua respiração. Seus roupas estavam suadas e ainda sentia o roçar das chamas. Tentava respirar, mas sentia o cheiro da fumaça invadindo suas narinas. Sentiu então, uma mão em suas costas e se assustou quando percebeu que não estava sozinho. Roy o encarava preocupado deitado ao seu lado. Ainda sentia o fogo queimando, a ferida antiga em sua perna ardia e o ar preso em seu pulmão se juntava com o pânico. A mão então o trouxe para mais perto e ele não lutou. Se deitou no peito de Roy e concentrou em sua respiração, fechou os olhos sentindo seu braço envolvê-lo e se sentiu protegido conforme se encolhia perto de seu parceiro.

— Respira, tá tudo bem, tá tudo bem. — Roy acariciava seu braço enquanto o acalmava.

Pensou em sua respiração e no toque que recebia, a cada momento que passava seu peito se acalmando e as memórias indo embora. Sentia o peito de Roy subindo e descendo conforme respirava, seu braço envolta de seu corpo o dando a sensação de proteção e a respiração quente bagunçando seu cabelo. O momento de euforia foi se passando, o fedor da fumaça sendo substituído pelo perfume de seu parceiro, o calor das chamas sumindo e restando apenas o conforto que o toque lhe dava.

Entretanto, a percepção de quem estava o abraçando o fez paralisar. Abriu os olhos para observar o seu entorno, e antes que pudesse perceber qualquer outra coisa, viu do lado de seu parceiro, Mei dormindo calmamente abraçada em Roy. Isso fez seu queixo cair. Se esqueceu por um momento de tudo que acontecia ao ser preso na visão de Mei tão... serena.

Começou a se lembrar da noite passada e ver as consequência de beber. Seu corpo doía de ressaca, o estômago embrulhando e a cabeça girando. Flashes de memória revelando que não esquece de tudo.

— Tá tudo bem, Kris? — Roy perguntou baixo, sua voz grave ressoando pelo seu corpo.

Não soube oque iria responder ou se teria coragem de se mexer e falar alguma coisa. E estava tão confortável e seguro em seus braços. As imagens de terror sumindo de sua visão se tornando nada mais do que pesadelos distantes. Respirou fundo e tentou se sentar. Mas ao se levantar o mundo girou e quase não conseguiu segurar seu vômito a tempo de pegar o balde ao seu lado.

Acordou com um corpo pesado e dolorido, mas estava tão aconchegante e quentinha que não queria se mexer. Mei não havia tido nenhum pesadelo, coisa que não acontecia a eras, principalmente quando bebia, normalmente suas noites eram infestadas de memórias antigas. Mas nada, apenas um sono calmo e profundo. Apertou mais o travesseiro que estava abraçando, era quente e cheiroso, aquele aroma perfeito da junção dos perfumes de seus parceiros. Então começou a se lembrar da onde estava. Abriu os olhos lentamente para apenas descobrir que o travesseiro em que estava abraçada era o braço de Roy. Se levantou com tanta força e rapidez que caiu da cama.

Encarava cada lado da cama sem saber quem socorria primeiro. Roy estaria mentindo se dissesse que ficou acordado a noite inteira, tinha cochilado uma vez ou outra. Mas se manteve de olhos abertos a maior parte do tempo e isso fez o ver o momento em que Mei se virou e encostou em seu braço. Teve que segurar seu gritinho quando ela começou a se aconchegar em seu braço e por fim abraçá-lo. E do seu outro lado Kristian fazia o mesmo, cada vez se aproximando e se aconchegando nele. Roy estava no paraíso. Ficou paralisado sem mover um músculo com medo de acordá-los. Seu pescoço ficou até com uma câimbra. Observava aqueles rostos lindos e calmos, uma hora observava sua parceira e depois seu parceiro. Estava pronto para protegê-los de tudo que ousasse feri-los. Haviam confiado nele, principalmente Mei, que nunca dormia ou quando fazia, ficava presa em um quarto pequeno trancado a mil chaves. Não iria traí-la. E não deixaria nada de ruim acontecer com ela, com eles.

Os Caçadores FuriososOnde histórias criam vida. Descubra agora