— Paulo, se você me fizer gritar mais uma vez, eu mesma vou aí te buscar! — Disse ela gritando.
— Tô indo mãe! — Ele respondeu gritando de volta. — Tô indo lá, zé, amanhã nós desempata esse jogo, e só saio quando eu meter três gol no'cê.
— Ih, oia lá o Gordin, todo pomposo! — O amigo caçou enquanto se despedia em um toque de mão. — Vai embora logo que sua mamãezinha tá te esperando.
— Ah! Se fude, irmão. — O garoto riu enquanto empurrava seu amigo.
Logo correu em direção ao morro que levava a sua casa escutando os amigos do time de futebol o zoando atrás de si. Mostrou o dedo do meio sem se importar e correu com a bola debaixo do braço. Subiu as enormes escadas desreguladas enquanto comprimentava os vizinho e pedia benção a uma senhorinha que ele tratava como sua vó, mesmo que ele não gostasse muito da velha, mas sua mãe o obrigava a sempre tratá-la com respeito, até mesmo no dia em que ela estourou uma de suas bolas quando a mesma caiu em seu jardim. Correndo, quase tropeçou na fiação no chão, e foi quando notou o quão estava sujo. Tentou limpar um pouco da sua roupa empoeirada e pequena demais para seu corpo corpulento, achando graça de suas dobrinhas marcadas e para fora da camiseta de escola.
Entrou em casa e logo sentiu o cheiro da janta, angu com feijão, o mesmo do almoço e o mesmo da semana inteira. Mas com a fome em sua barriga, sua boca salivou. Entrou em sua casa, tomando cuidado para que sua porta, que já esteve presa na parede e com o sistema de proteção de digital funcionando, não caísse no chão. Guardou sua bola e foi afagar o cachorro robótico no quintal, estava tão velho que ele mal conseguia andar, e seus latidos eram um mero som rouco e distorcido, mas ainda amava o presente que ganhou de seu pai. Mas logo após, correu para o banho antes que sua mãe o visse, e ao se virar, viu que era tarde demais.
— Oi, mãezinha linda! — O garoto tentou usar seu sorriso fofo, mas sua mãe era imune a ele quando estava brava, ou ela fingia ser.
A mãe tinha seus braços cruzados em um vestido florido puído e gasto, com um corpo gordo e rechonchudo marcado pelo pano fino, sua pele negra estava suja do fubá que preparava, e seus cabelos cacheados presos em um coque bagunçado. Todos no morro diziam que o garoto era sua cópia, e com esses comentários a mãe sempre ficava boba e alegre, rindo e dizendo que era verdade. E eram bem parecidos, principalmente o rosto redondo e gorducho, os cabelos cacheados e o sorriso contagiante no rosto e olhos pequenos e afáveis. A mãe pegou o pano de prato do seu ombro e bateu na cabeça de seu filho, tentando esconder o seu sorriso para manter a pose de mãe brava, ela sempre tentava, mas nunca conseguia.
— Paulo, o'que eu falei sobre usar o uniforme para brincar depois da aula? — Ela o xingou pondo suas mãos na cintura.
— Mas é que se eu chego em casa depois da escola, você não me deixa sair mais. — Respondeu emburrado.
— Menino mentiroso, eu falo que só sai depois do para-casa, e anda logo, vai tomar banho e me dá essa blusa aqui, seu porquinho imundo.
Ela puxou sua blusa para fora de seus braços, e mesmo o garoto sendo maior que sua mãe, por apenas poucos centímetros, se sentia um grande bebê, embora dissesse que era gente grande com seus meros dez anos. A mãe deu tapinhas em sua cabeça enquanto dizia para o garoto ir para o banho.
Quando saiu do banho, com seu pijama pequeno demais para o seu corpo, ele viu a mesa já com seu prato feito o esperando. Entrou na cozinha pequena, com eletrodomésticos velhos e robôs caseiros — dispositivos que realizavam tarefas de casa, como o Limpador 374 que sempre mantinha o chão limpo ou o Estendedor 400 que retirava as roupas da máquina de lavar e as estendia, todos desenvolvidos pela mãe — que não funcionam mais, velhos e precisando de conserto, mas sua mãe se recusa a descartá-los e dizia que iria consertá-los, mas ela nunca os fazia. A TV estava ligada, passando o noticiário que o garoto ignorou, não se interessando. Se sentou inspirando o cheiro delicioso e queimou a língua ao enfiar uma grande colher na boca. Sua mãe apareceu do seu lado rindo.
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Os Caçadores Furiosos
Science-FictionEm um planeta criado com o intuito de proteger o universo de seres malignos, conhecido como Organização dos Defensores do Universo, ou ODU, um governo utópico, onde a população vive em meio a tecnologia e paz. Seres de diferentes espécies, planetas...