CAPÍTULO 42

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Havia tirado uma nota baixíssima em sua prova. Mas o garoto nem sequer ligava. Não havia estudado e muito menos prestado atenção em qualquer aula. Ou em qualquer coisa nos últimos dias. Afinal, havia nem dois mês em que sua família inteira havia morrido e seu planeta ter sido completamente destruído.

As vezes pensava que era apenas um pesadelo e a qualquer momento iria acordar. Mas todo dia em que se levantava via que estava preso, dia após dia via o tempo passar e se via parado, inerte, adormecido e dormente. A realidade parecia irreal, lenta e embaçada, como se estivesse afundado no fundo do oceano. O vazio no peito sempre crescendo ao invés de diminuir e sumir, e sentia que em algum momento seria consumido por ele. E o fato que o mais dilacerava era que ninguém sabia oque realmente tinha acontecido.

Procurava todos os dias em todos os cantos da internet algo que tivesse uma mínima ligação com sua terra. Mas nada. Era como se nunca tivessem existido. Via as pessoas à sua volta falarem sobre coisas fúteis e irrelevantes, fofocas de celebridades e roupas de marca. Não entendia como que ninguém falava sobre os inocentes mortos, sobre as crianças assassinadas brutalmente, sobre o povo que foi dizimado junto com todo o seu planeta. Sobre os corpos carbonizados e o cheiro da pele queimada que ainda sentia quando inspirava profundamente.

Às vezes queria gritar, berrar que todos eram idiotas, que viu seus amigos morrerem e serem queimados por aquele fogo infernal. Porque não havia nenhum rastro de seu planeta? Era o último sobrevivente? Havia outros? Por que eu?

Todos os dias acordava querendo morrer, não suportava mais viver longe de seus pais, de seu irmão, de sua terra, de seu lar. Carregava sozinho o fardo da verdade, das memórias aterrorizantes. Mas seguia, sem saber direito o porque, apenas queria saber o motivo de toda aquela destruição e onde estava os rastros de toda aquela chacina. Quem foram os responsáveis? Seria como Gilberto dizia? Que a Pirata Vermelha aniquilou todos?

Obedecia tudo que Gilberto Ricardo mandava, seu incrível pai adotivo, como todos diziam. A história era que o havia salvado de uma guerra civil de seu planeta, e sempre confirmava quando o perguntavam sobre algo. Mas não existia mais assunto, qual guerra era essa, quem fora ferido ou quem estava vivo, ninguém se interessava. Participava das entrevistas e de programas, mas não conseguia encarar seus olhos vazios na televisão. Kristian Ferreolius, o filho do militar honorável. Se sentia como uma marionete nas mãos do homem, usando-o para ser um herói. Mas não podia reclamar, afinal, aquele homem cuidava de si, ele não era gentil, muito menos amoroso, mas lhe fornecia o'que precisava, um teto e comida.

Então enquanto voltava da sua escola, não se preocupou com a reação de Gilberto, ele entenderia. Afinal, foi ele que o havia tirado debaixo dos escombros.

Entrou naquela mansão cheia de cômodos de luxo e decorações caríssimas, por mais que a casa fosse grande, era apenas preenchida pelo vazio e frio. As vezes preferia andar sem rumo pelas ruas do que ficar ali. Entrou no quarto que Gilberto havia lhe dado, tão gelado quanto o resto da casa, se deitou na cama e ficou ali. Ignorou o quadro de afazeres que deveria obedecer, uma lista tão grande que ocupava quase toda a parede. Encarava as inúmeras aulas e atividades que tinha que fazer até o final do dia, mas apenas enxergava a vida que havia sido roubada de si. Os rostos tão amados sumindo de sua memória a cada dia, nem mesmo seus desenhos conseguiam ser mais reais, se tornavam distorcidos e estranhos ao seus olhos. Observou os rascunhos a lápis que fizera, mas nenhum era como seus pais ou como seu irmão, apenas rostos esmaecidos e perdidos em suas lembranças.

Vivia preso em sua dor e saudade, que o corroía e rasgava seu peito, não cabia em seu corpo, parecia que destruía seus órgãos e arranhava seus ossos. Às vezes sentia que a escuridão eterna seria melhor do que toda aquela tempestade.

Não escutou quando os passos rítmicos e pesados de Gilberto soaram pelo corredor, apenas viu sua porta se escancarar e uma dor ardente brilhar em sua bochecha após o tapa do homem. Sentiu sangue acumular em seus dentes e lágrimas brotarem em seus olhos, mas não tirou os olhos do colchão, estava muito assustado para isso.

— Você... é a porra de uma criança ingrata. — Sua voz alta e firme como a um de general fazia o garoto se encolher. — É melhor superar aquele sua vidinha de merda e se tornar meu prodígio, já te dei tempo para melhorar. Eu te salvei daqueles escombros e te dei uma vida nova, não é? Se não fosse por mim estaria morto, e sua forma de agradecer é ser esse verme que você é? Não quis fazer do seu jeito, então será do meu.

— Gilberto? — O garoto disse em um soluço, conseguindo encarar o rosto furioso e maléfico do general de pé.

— Se tirar uma nota baixa de novo verá do que eu sou capaz de fazer. Já estão sussurrando que meu filho adotivo é um estúpido burro. — Ele avisou, a pura maldade escorrendo dos seus olhos, viu os papéis nas mão do garoto e na mesma hora os tomou rudemente. — Espero que após esta lição, você aprenda que deverá ser o melhor em tudo.

O garoto implorou para que Gilberto o devolvesse e não conteve seus gritos quando viu os papéis serem rasgados, tentava o impedir, mas recebeu um empurrão tão forte que bateu sua cabeça na cadeira e se viu sem forças no chão.

— Esqueça sua antiga vida, esse é seu planeta agora, se eu ver que existe um Groven ainda dentro de você, irei destruí-lo e matar novamente sua terra. — Gilberto estendia de pé, o olhando com soberania. — Você é meu agora, e não irei permitir que seja um inútil.

O garoto tremia no chão encolhido em suas pernas, a dor em sua cabeça fazendo seu estômago revirar, fechou os olhos que ardiam e não viu o sangue sujar suas roupas. Gilberto caminhou para fora do quarto, mas antes apontou para o quadro em uma ordem:

— Amanhã, de pé às quatro, quero que você seja meu troféu.

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Antes, gostaria de agradecer a todos por lerem até aqui e sempre serem tão pacientes comigo.

Mas agora, gostaria de conversar sobre um assunto sério. Todos já sabem o quanto existe política nesse livro e o quanto ela é importante, afinal, é um livro de distopia.

Também sou uma grande apreciadora de livros desse gênero, lemos sobre revoluções e sistemas ditatoriais, e nos sentimos revoltados com essas histórias, onde há o povo injustiçado e poderosos ruins.

Entretanto, algo que poucas pessoas percebem é que também estamos vivendo em uma distopia. Gostaria de utilizar esse capítulo o qual eu abordo a história de Kristian, que foi um sobrevivente de uma guerra em seu planeta, para abordar as verdadeiras guerras que ocorrem no nosso mundo.

Temos a Palestina e o Congo sofrendo com genocidio neste exato momento, e não podemos ficar calados com esse assunto. Vou deixar alguns perfis de instagram que mostram a realidade desses países, infelizmente não conheço muito sobre os que falam sobre o Congo, e caso vocês conheçam, — Também valendo para a Palestina ou quaisquer perfis políticos que vocês acreditam serem necessários sua compartilhação — escrevem aqui ou me mandem no instagram, la deixarei um destaque apenas para esses perfis.

Política é algo inevitável que cerca completamente nossa vida, o seu estudo é fundamental, principalmente quando o conhecimento é a maior arma contra o sistema.

E quero que saibam que eu não falo de revolução aqui a toa.

Perfis:

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