Enzo Campbell
Eu detesto comer na frente das pessoas, sei o quanto pode ser desconfortável e indigesto para elas comer tendo que suportar a presença de uma aberração mutilada na mesa, mas eu não tive opção, meus pais me obrigaram.
Obviamente eu comi de cabeça baixa, o mais baixa possível, mas os olhares inquisidores da Lisbela me mostraram que não foi o bastante.
Fiquei mortificado de vergonha, a sensação de humilhação foi esmagadora em cima de mim, quase como um navio caindo em cima da cabeça de alguém. Antes fosse isso, assim a vergonha já teria passado.
Dei uma desculpa qualquer logo depois de jantar, e ainda de cabeça baixa eu sai de dentro de casa para o jardim, ansiando por alguns momentos sozinho.
É claro que ela ficou com nojo de mim, quem não teria?
Que mulher bonita, simpática e bem cuidada iria querer se casar com alguém como eu? Per Dio, a mulher deve estar achando esse casamento um destino pior que a morte.
Mesmo sozinho eu abaixei a cabeça completamente derrotado. Não importa o que eu faça, isso nunca vai mudar. Essa sensação nunca vai passar.
Minha família tenta me convencer que as marcas não são tão ruins assim, mas eu não sou cego. Durante o tempo em que fiquei na casa dos meus pais no inicio da minha recuperação eu tive bastante tempo para me olhar no espelho, e mesmo que na minha casa não tenha nada minimamente refletora eu não consigo esquecer o meu reflexo monstruoso.
— Então você come e precisa sair imediatamente?— A voz de alguém gracejando atrás de mim chamou minha atenção.
Me virei a tempo de ver Lisbela andando calmamente até mim com as mãos para trás. Rapidamente abaixei a minha cabeça rezando para que a noite seja o bastante para minimizar minhas cicatrizes.
Sem confiar muito nisso quando ela parou do meu lado eu mudei minha posição para que ela possa ver somente o lado bom do meu rosto. Sei bem que ela quer apenas se mostrar educada ao vir atrás de mim e o mínimo que eu posso fazer em retribuição é poupa-la de ver minha pele mal cicatrizada.
— Sinto muito se pareci rude, eu precisava de ar puro.— Respondi da forma mais educada possível.
— Tudo bem, acho que tudo isso é novidade para você também. A ideia do casamento foi sua?— Questionou admirando o céu.
Obviamente fez isso para não correr o risco de olhar meu rosto.
Engoli o desconforto em seco. É por isso que eu finjo não me importar com o que falam de mim, para evitar sentir as coisas como um fraco, mas a verdade é que por mais que eu finja, a minha cabeça é completamente ferrada.
Indubitavelmente e irremediavelmente ferrada.
— Mais ou menos. Tem uma historia na minha família que meio que inspirou isso tudo.— Respondi precisando sorrir ao me lembrar da Stella e do Domenico e a forma como me contaram que ele mudou da agua para o vinho depois dela.
Claro que eu não vi nada pessoalmente, afinal eu estava ocupado demais capturado e me esforçando para permanecer vivo, mas os outros membros da família me contaram tudo e sinceramente, em pareceu coisa de livro.
— Pode me contar a historia? Eu adoro historias.— Lisbela disse me dando um empurrãozinho na lateral do meu corpo, dando o impulso com a própria lateral do seu corpo.
Sorri ainda encarando fixamente o chão.
— Eu fui capturado na missão de resgate do meu primo Domenico, fui burro e imprudente, acho que disso você já sabe, afinal já fazem seis anos, mas neste mesmo dia resgatamos uma garota chamada Stella que tinha sido vendida pelo pai para pagar uma divida dele ou algo assim. Se não a encontrássemos a garota certamente teria um destino pior que a morte. Acontece que todos acharam que eu tinha morrido e o Dom se sentiu culpado pela minha "morte", a única pessoa que conseguia fazer ele se sentir bem era a Stella, que consequentemente foi praticamente adotada pelo pai do Dom e por toda a família também. Pelo que eu ouvi ele sempre foi apaixonado por ela, mas não se achava merecedor disso, mas então sem nenhum dos dois planejar eu acho eles acabaram ficando juntos, e não se separaram mais desde então. Estão casados e acabaram de ter um bebê, o pequeno Riven. Todos dizem que ele só recuperou sua alma quando teve ela em sua vida.— Conclui a historia com um floreio por que a parte que a inclui deve ser autoexplicativa.
— Então sua família acha que se você se casar vai recuperar sua alma? Desculpa, mas eu não acho que você tenha perdido a sua. Não acho que alguém possa perder a alma, na verdade.— Retrucou achando graça.
Como se ela não acreditasse nem por um instante que alguém possa perder a alma.
Eu pensaria o mesmo se não fosse eu mesmo uma casca completamente oca e vazia.
Sorri amargamente.
— Foi assim que surgiu a sugestão de casamento, eu os autorizei a procurar uma candidata e peço sinceras desculpas por terem chegado em você.— Retruquei dando de ombros de forma desconfortável.
Pelo canto do olho eu pude ver ela franzindo a testa completamente confusa pela minha declaração final.
Talvez ela achasse que eu tenho prazer em infligir aos outros o desprazer da minha presença.
— Não entendo o motivo de pedir desculpas.— Retrucou esperando resposta.
Pensei em ser transparente e dizer que ela não precisa fingir que está interessada e confortável em minha presença, mas isso seria humilhante demais.
Ainda é doloroso demais ver que as pessoas se esforçam tanto para não encararem minhas cicatrizes. Me dói todo dia ver que se esforçam para ficar perto de mim pelo simples fato de eu ser o chefe da organização.
E eu nem sei se serei capaz de um dia falar em voz alta o quanto me dói saber que eu só vou me casar por conta do meu dinheiro. Per Dio, eu praticamente tive que comprar uma esposa, ou ela nem estaria aqui.
Talvez só esteja sendo tão simpática comigo por mera gratidão e nem isso vai durar para sempre.
Respirei fundo e falei em Italiano, rezando para que não entenda nenhuma palavra. Apenas com o objetivo de colocar para fora.
— Sono un mostro, Belle, so che è un destino terribile per te essere costretta a passare il resto della tua vita a convivere con una cosa mostruosa come me, ma ti prometto che ti renderò tutto più sopportabile. Non mi imporrò a te più del necessario per avere un figlio, e non ti costringerò a sopportalo a lungo, te lo prometto, e dopo vivrò in un dannato celibato perché nonostante sia un mostro io, non sono capace di constrigire qualcuno a vivere sotto tortura per sempre, soprattutto tu che sembri una brava ragazza.— Me atrevi a olhar para ela.
Lisbela parece hipnotizada com tudo o que eu falei, então eu gelei de receio dela ter entendido algo.
— Pode traduzir?— Perguntou e eu voltei a respirar com normalidade.
Eu sou um monstro, Bela, sei que para você é um destino terrível ser obrigada a passar o resto da vida convivendo com uma coisa monstruosa como eu, mas prometo tornar tudo mais suportável para você. Não vou me impor sobre você por mais vezes que o bastante para termos um filho, e não vou te obrigar a suportar por muito tempo eu prometo, e depois disso eu vou viver em uma droga de celibato por que a pesar de ser um monstro eu sou incapaz de obrigar alguém a viver uma tortura para sempre, ainda mais você que parece ser uma boa garota.
— Talvez um dia. Agora vamos entrar, eles devem estar esperando. — Dei as costas para ela e segui caminhando lentamente para dentro de casa novamente.
Pobre garota por ter que aceitar isso, mas eu vou tentar ajudar a ser melhor.
Ela vai me ver o mínimo possível. É o melhor presente de casamento que posso lhe dar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Bela da Fera - Livro 4 da série: Família Fontenelle
Romance⚠️ ATENÇÃO: ESTE LIVRO É O 4 DA SERIE, SE NÃO LEU OS OUTROS VAI LÁ COMEÇAR! ⚠️ PLAGIO É CRIME! Enzo passou por infernos que lhe deixaram marcas no corpo de na alma que muito dificilmente serão apagados e esquecidos. Enzo se mantém firme em seu novo...