PRÓLOGO

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Marília Mendonça:

Alguns anos atrás... 

— Mali, eu estou com fome. — Gustavo entra no meu quarto nas pontas dos pés, o piso deve estar frio, o inverno está rigoroso. 

Meu irmão caçula veste um pijama longo de duas peças, uma blusa de mangas compridas e uma calça, a cor é azul, a preferida dele, com vários carrinhos de brinquedo estampados. 

Seus olhos estão apertados, seu nariz está inchado e seu rosto está meio vermelho. Talvez tenha andado chorando, ou pode estar resfriado. 

— O Henrique não te deu jantar?

— Murmuro, saindo debaixo das cobertas. Ofego ao sentir o piso gelado tocar meus pés. 

Devo ter esquecido de ligar os aquecedores do piso. 

— O Henrique não saiu do quarto hoje. — Gustavo abraça o próprio corpo. 

Henrique é nosso irmão do meio, com quatorze anos. João Gustavo é o mais novo, tem doze. É um garotinho bom, mas não faço ideia de como vou educar uma criança e Henrique não parece querer cooperar, é um adolescente... 

Eu mesmo acabei de deixar de ser uma, o lado bom de ser parecida com meu pai é que sempre tive um certo senso de responsabilidade, mas não imaginava que fosse precisar disso tão cedo na minha vida. 

— Ninguém te deu comida hoje? — Questiono, preocupada. 

Faz um mês que nossos pais se foram. As coisas não estão indo muito bem. Estou prestes à fazer dezenove anos e acabei de entrar na faculdade. 

Meus irmãos tiveram de se mudar para Nova York, estão morando comigo na cobertura do prédio que meus pais compraram para mim assim que fui aceita na universidade. 

Não está sendo fácil para eles. Estado novo. Escola nova. Pessoas novas. Gustavo mal sai do quarto e Henrique, que antes era uma criança muito animada e passiva, anda quieto, cabisbaixo e sem paciência. 

Eu estou perdida. 

Faz um mês que presenciei a morte dos meus pais. 

Faz um mês que guardo o que aconteceu naquela noite apenas para mim. 

Faz um mês que eu ando mentindo para todos, inclusive para os meus irmãos. 

— A moça que limpa me deu um sanduíche à tarde. — Arregalo os olhos. 

Isso foi há horas! 

Lurdes é minha diarista. Eu não tenho muitos empregados, não preciso deles. Por mais que a cobertura seja consideravelmente grande, não sou bagunceira ou uma tapada completa que não sabe fazer nada. 

Gosto de fazer minha própria comida e de arrumar o meu quarto do meu jeito. 

Mas acho que as coisas vão ter que mudar por aqui. Meus irmãos, ao contrário de mim, não fazem muita coisa por conta própria. 

Henrique sabe se virar, mas ter deixado Gustavo com fome a maior parte do dia, prova que preciso contratar uma babá ou alguns funcionários que possam fazer a comida e a limpeza do quarto deles. 

Infelizmente, eu não tenho muito tempo de sobra depois que meus pais morreram. 

Tenho aulas todas às manhãs e me tornei a CEO das Indústrias Mendonça durante à tarde. Só chego à noite, é o tempo que me sobra para ficar com meus irmãos, principalmente o Henrique. 

— Meu Deus... — Murmuro. — Vem, vamos alimentar você. 

Passo por Gustavo, saindo do quarto em direção às escadas. Ouço os passos dele atrás de mim, seguindo-me. 

Quando chegamos, pego meu irmão no colo, colocando-o sobre a ilha da cozinha. 

— O que acha de cereais? — Pergunto e sorrio ao vê-lo assentir freneticamente. 

Não é uma refeição ideal, mas vai o manter até o café da manhã de amanhã. 

Enquanto preparo o lanchinho da noite, Gustavo aproveita para conversar. 

— Mali. — Ele me chama. — Quem é aquele homem? 

Franzo o cenho, confuso. 

— Que homem? 

— O homem que entrou aqui depois que a dona Lurdes saiu. Ele é alto, forte, e tem uma barba ruiva. — Entrego o cereal para Gustavo, que parece faminto quando leva a primeira colherada à boca. — Ele me pediu para não falar nada, tinha uma arma. 

Meu corpo congela. 

Puta merda. 

— Ele levou algo? — Pergunto e Gustavo faz que não.

— Ele não saiu. — Arregalo os olhos. 

— Não saiu? — Murmuro, morrendo de medo. 

Um barulho soa atrás de mim, um passo forte demais para ser de um adolescente da idade do Henrique. 

Meus músculos contraem de medo, mas meu desespero por Gustavo é ainda maior. Pego meu irmão, colocando-o atrás de mim protegendo-o com meu corpo. 

— Olá, Marília... — Não me viro para olhá-lo, mas o sotaque forte já entrega quem é. — É melhor tirar as crianças da sala. 

— Gustavo. — Sussurro para meu irmão, que levanta o rosto para mim. Movendo apenas os lábios, digo 911 e ele concorda, entendendo o meu pedido. — Vá para seu quarto, não saia até que eu deixe. 

Meu irmão passa por mim e sai correndo. 

Respirando fundo, tomo coragem para me virar e ver o rosto do homem que, provavelmente, matou os meus pais. 

— Ivan!

A CEO - Malila | G!pOnde histórias criam vida. Descubra agora