Capítulo 1

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Se não fosse pela aliança em seu dedo, ele não se recordaria que é casado.

Não se chamaria de homem casado.

Está bem longe do ideal, embora publicamente seu casamento seja ideal.

Sua vida matrimonial e pessoal não seria tão terrível se ele não fosse orgulhoso demais para ceder. Essa palavra não cabe em seu dicionário e sua língua cairá se a pronunciar. É ruim, é bem ruim, mas poderia ser pior, muitos em sua posição se sentiriam tão mal que preferiam cometer os piores crimes, mas o orgulho criou uma armadura ao redor de si com poucas rachaduras. Ou seja, poucas vezes seus sentimentos transbordam de tal maneira que é incapaz de controlar.

Poucos acreditariam que um homem como Sasuke Uchiha estava realmente casado a essa altura do campeonato, caso o conhecessem de verdade. Ele é questionado até hoje pelo lugar que ocupa em sua relação. Um alfa do porte dele submisso a um ômega? Impossível. Mas a aliança estava sempre ali, no dedo direito, reluzindo, avisando aos outros que ele não estava mais disponível e nunca estaria.

Seus amigos ficaram impressionados como 22 anos de matrimônio não mudaram em quase nada o estilo Uchiha, seja em aparência seja em personalidade. Na verdade, era um vinho que a cada ano se torna mais saboroso. Ele dançava ainda melhor do que nos seus anos de juventude, um dos seus maiores e poucos divertimentos mantidos depois do casamento.

Ninguém sabia de onde vinha tanto gás para sacudir os quadris daquela maneira, mover os pés, fazer caras e bocas, cansar os pares que arriscaram algumas danças, mas quanto mais agitado fosse o ritmo, melhor para ele - é válida uma ressalva: alguém sabe.

Ele adora os ritmos latinos, nativos do Brasil, caribenhos e outros tantos que fazem todo o seu corpo se encher de uma energia quente como poucos são capazes.

Não há uma coreografia, só uma necessidade de libertar o corpo de uma prisão que lhe confina todas as vezes que se encontra com aquele que devia ser o seu motivo de se prender por livre espontâneo amor.

É como se assume uma face guardada no mais profundo do âmago.

Hoje é a noite de calypso e merengue, ou seja, é dia de sacudir os quadris e mexer os pés, saltar enquanto faz os pares praticamente deslizarem pelo ambiente.

-Eu só queria saber como.

-Como o quê?

-Como ela aguenta. - Kiba estava cansado só de olhar sua esposa gastando todas as calorias da semana e gingando os quadris de quem pariu três filhos quase na mesma velocidade que Uchiha. A vantagem é ver a sempre tímida Hinata rebolando. Evento raro.

-Ela gosta. - Kiba respondeu sincero. Shikamaru tomou um gole da sua cerveja e deu de ombros, batucando os dedos. Aquele bar costuma realizar uma vez por semana estes bailes temáticos como as antigas dancterias. - E está em crise de ansiedade grande. - relembrou. 

Shikamaru concordou. 

Vantagens de ter Sasuke Uchiha, a Bateria Eterna, nos contatos: se alguém precisava descarregar as energias em excesso, basta chamá-lo para aquele bar.

-Rápido! Celular!

-Puta merda!

Shikamaru quase derrubou o aparelho. 

Kiba jamais perderia a chance de filmar Hinata naquele frenesi, indo e vindo, jogada para lá e para cá como um mamulengo e, de quebra, em cima do salto. 

-Se essa mulher rebola assim em cima de mim, eu morro de morte matada e com orgulho. Feliz, batendo palmas, agradecendo. - Shikamaru riu do amigo e colega de trabalho. 

No entanto, parou ao ficar alguns segundos observando o marido do seu melhor amigo no meio da roda, esbanjando sorrisos ousados, enquanto mostra que seus quadris são feitos de mola e seus pés são ligeiros.

Shikamaru sentiu raiva disso.

Sasuke não devia ficar tão feliz por dançar com outra ômega quando não dança mais com o próprio marido, a quem jurou amor.

-Eita caralho. - as rabissacas que Hinata deu quase foram chicotadas num rapaz que se aproximou de Sasuke. Shikamaru flutuava entre admirar sua amiga e se irritar com o marido do seu amigo. - Que isso, Kiba? - o outro tomou um gole de água porque estava mais quente. Merengue é perigoso.

Por sorte e para a felicidade de Kiba, acabou.

A música seguinte era mais calma agora, os dois estavam abraçados de maneira "fraternal" indo e vindo pela pista. Sasuke não tocava o quadril de Hinata, a guiava apoiando uma mão nas costas dela. Conversam sobre algo sério dada a forma como se olhavam e então Hinata suspirou, claro sinal de cansaço. Sasuke a trouxe para a mesa, deu um beijo na mão dela em agradecimento, tomou um gole de água e num instante encontrou outro par para "apostar" quem mexe mais os quadris e os pés. 

E Sasuke assim permaneceu até que o celular tocou. É o único contato que não pode ignorar de sua longa lista. Ele pediu licença ao par, voltou até a mesa para buscar sua camisa social, deu sua parte da conta - embora tenha consumido apenas água -, se despediu daquele jeito elegante que faz qualquer homem hétero questionar a própria sexualidade e foi embora. Kiba e Shikamaru se entreolharam.

Hinata apenas espiava de soslaio.

-Vida de pau mandado é foda.

-Não é ser pau mandado. Você também faz qualquer coisa pela sua ômega. É sina de alfa. É a sina dele. - Shikamaru comentou e fitou seu copo vazio. - Sasuke faz o que deve fazer. Ele deve muito a Naruto e o máximo sempre será o mínimo.

-Não deixa de ser foda.

-Nisso eu concordo.

-Coitado. - a palavra de Hinata deu a conversa por encerrada.

Depois de 30 minutos dirigindo, Sasuke chegou ao aeroporto. Mandou a mensagem confirmando sua presença no lugar de sempre, como um bom chofer faria, e esperou. Em outros verões, naqueles passados, ele tomaria um banho caprichado, vestiria sua melhor roupa e colocaria aquele perfume que acentua sua presença alfa para receber seu grande amor, mas seus anos de lutar pela atenção do ômega passaram. Ficou velho, sobretudo. Superou a fase, como dizem. Em parte, obviamente, pois sua paixão é infinita como o tempo.

Seu esposo entrou na parte de trás sem cumprimentá-lo ou lhe dedicar um olhar, e continuou mexendo no celular. Sasuke saiu para guardar as malas no porta-mala, afinal para que servem os maridos? Logo, seguiu viagem para a casa onde moram, sentindo vontade de dançar para ele - resquícios do tempo que vê-lo de terno atiçava certos desejos. Todos sofrem recaídas, Sasuke não vai se crucificar por isso.

-Que cheiro é esse? - resmungou Naruto fungando. - É você? - Sasuke o fitou pelo retrovisor. - Não tomou banho?

-Sete vezes. - rebateu lacônico e sarcástico.

-Estava dançando de novo? - o tom era de nojo. Sasuke assentiu. - Não vai mudar nunca. - retrucou. Passou a marcha e ergueu o dedo médio para o ômega. - Que ridículo.

-Falou o cara que desaprendeu a ser educado. - reclamou. Os dois ficaram em silêncio pelo resto da viagem. Havia uma tensão ruim lá dentro, uma energia sufocante e ofensiva, abafada pelos vidros fumês. Enfim, chegaram ao estacionamento do prédio. 

Sasuke desceu do carro quando o ômega saiu primeiro, tirou as malas, travou o veículo e foi embora praticamente desfilando.

-Ei, idiota! Esqueceu de nada não? - o alfa voltou para verificar as portas do carro e quando se assegurou que estavam trancadas, seguiu para o elevador. - Você está de sacanagem comigo?! Esqueceu quem te sustenta?! - Naruto berrou furioso.

-Esqueceu quem lava as tuas cuecas e faz a tua comida? - disse do elevador. O ômega mostrou os dedos médios e Sasuke devolveu andando de costas, ignorando e se mantendo frio. Chegou ao apartamento, deixou a porta destrancada e seguiu para o banheiro, preparar o banho do seu marido. Fez sem pensar. Dez minutos depois, seu esposo apareceu esbaforido de tanto puxar as pesadas malas. Os dois não se falaram mais por aquele dia.

Dormiram em quartos separados.

Olá Confusão, minha velha amigaOnde histórias criam vida. Descubra agora