Você não sabe mentir

300 31 0
                                    

Havia uma correria bem anormal no estacionamento do centro de treinamento, muitos carros com mercadorias e pessoas carregando caixas de um lado para outro. Cheguei a cogitar ter entrado no lugar errado, mas quando vi Sebastian descer da moto e observar a cena com a mesma expressão duvidosa que eu, tive certeza que não havia errado nada.

- O que está acontecendo aqui? - Ele parou ao meu lado, observando a correria.

- Achei que você saberia. - Arrumei a bolsa em baixo do braço e começamos a caminhar para o elevador.

- Vou saber em dois minutos. - Ele tirou o celular do bolso e digitou alguma coisa.

- Mas presta atenção por onde anda. - Segurei ele pelos ombros e o tirei do caminho de duas pessoas, entrando no elevador.

- Evento beneficente. - Disse quando entramos no elevador. - Vai acontecer no final de semana.

- Porquê não fomos avisados? - Tirei meu tablet e fui dar uma olhada na agenda compartilhada. - Ah, nós fomos avisados. - Observei a mensagem recém criada.

- Vou precisar comprar um terno. - Sebastian resmungou.

- Também vou comprar um vestido. - Ponderei. - E impedir que Jude use algum desses ternos da moda, que são horríveis.

- Ele deve estar pensando em usar exatamente um desses. - Ele riu. - Boa sorte.

- Eu tenho uma tatuagem linda nas costas pra mostrar ao mundo. - Respondi. - Nem a excentricidade do Jude vai estragar isso.

- Depois me mostra uma foto. - Ele pediu. - Fiquei esperando você me mostrar de livre e espontânea vontade, mas parece que não vai rolar.

- Não sabia que você queria ver. - Procurei uma foto no celular, que Vincent havia me mandado. - Olha aqui.

- Nossa, até pra fazer tatuagem você é chique. - Comentou enquanto analisava o desenho. - Eu gostei, você deveria postar essa foto.

- Ainda não cicatrizou direito. - Guardei o celular no bolso. - Quando melhorar eu tiro uma foto legal.

- Viu que podemos levar um acompanhante? - Ele voltou a falar sobre a festa.

- Legal. - Respondi um pouco desanimada. - Não tenho quem levar, vocês já vão estar lá.

- Eu ia dizer o mesmo. - Sebastian riu. - Bem, ao menos temos um ao outro. - Ele levantou a mão.

- Solteiros unidos. - Bati na mão dele.

Minha manhã seguiu abarrotada de reuniões chatas com a equipe médica, eu acho que nunca vi essas pessoas dando sorrisos sinceros por aqui, eles são amigáveis porque precisam manter o bom convívio, mas são chatos como mulas mancas. Respirei fundo quando saí da sala e meu estômago roncou tão alto que me fez vergonha, dei sorte de não haver ninguém por perto. Como já estava livre, peguei o rumo do refeitório com a boca salivando.

Os jogadores já estavam chegando, mas Jude ainda não havia dado as caras, então me sentei em uma mesa vazia quando terminei de me servir. Não tenho tanta intimidade com os outros jogadores, embora sejam todos muito gentis e alegres, me sinto estranha em conversar com eles sem o Jude. Mas, não passei muito tempo sozinha, tomei um leve susto quando Valverde colocou a bandeja dele sobre a mesa e sentou ao meu lado.

- O que foi? - Perguntou quando me viu o olhando por tempo demais.

- Nada. - Disfarcei.

- Minha esposa perguntou se você vai ao evento beneficente. - Ele puxou assunto. - Quer te conhecer.

- Eu acho que não tenho muita escolha. - Respondi.

- Não tem escolha sobre o quê? - Jude sentou ao meu lado e deixou um beijo na minha cabeça.

- Sobre ir ou não ao evento beneficente. - Expliquei.

- É claro que você vai. - Falou como se fosse uma besteira. - É o seu primeiro evento oficial.

- Isso é verdade. - Valverde reforçou.

- Eu vou procurar um vestido hoje ou amanhã. - Dei de ombros.

- Ellie do Real Madrid. - Jude exclamou. - Eu gostei.

- Sem exageros. - O parei antes dele me encher o saco. - Você viu o Sebastian?

- Bem ali. - Ele apontou para a porta, por onde Sebastian estava entrando acompanhado de Vinicius e Camavinga.

A conversa se estendeu ainda mais quando os demais componentes da mesa chegaram. Todos estavam animados com o tal evento, porque seria muito chique e a festa teria tudo do bom e do melhor. Eu não estava acostumada com esse tipo de coisa, me senti um pouco deslocada e já estava fazendo planos de ir embora meia hora depois de chegar.

- Puta merda como é idiota. - Ouvi Jude resmungar ao meu lado, enquanto todos estavam entretidos conversando sobre o que faríamos na festa, ele estava entretido no celular.

- O que houve? - Me estiquei pra ver o celular dele, mas ele travou a tela e afastou de mim. - Jude.

- Nada. - Respondeu, nervoso. - Perdi dinheiro no jogo online.

- Você não sabe mentir. - Continuei encarando ele. - Me dá o celular.

- Eu não. - Segurou o celular com mais força. - Você não é minha mãe.

- Jude. - Chamei novamente e ele passou cerca de um minuto me encarando antes de ceder e me entregar o aparelho.

Digitei a senha e a tela se abriu no Twitter, não precisei procurar por nada, as fotos estavam escancaradas. Não queria ter me incomodado, mas incomodou. Eram fotos de Haaland em uma balada, ao lado dele uma moça loira de olhos azuis, que, com certeza, não era da família dele.

- Entendi porque não queria que eu visse. - Engoli em seco e entreguei o celular de volta.

- Eu tenho certeza que há uma explicação pra isso. - Tentou justificar o amigo.

- Não precisa de explicação, Jude. - O tranquilizei, mesmo querendo desmoronar por dentro. - Estamos solteiros.

- Tudo bem, gente? - Sebastian saiu da conversa do pessoal e prestou atenção em nós.

- Tudo sim. - Assenti, empurrando minha comida pela metade pra longe. - Eu vou voltar pra minha sala, tenho muita coisa pra fazer ainda hoje.

Jude não disse nada, mas ficou me observando enquanto eu caminhava pra fora do refeitório. Estava me sentindo mal, com ciúmes e com raiva, nem deveria estar assim, visto que dei meu número pra outro cara e estou combinando de sair com ele. Mas senti e senti muito, como uma facada nos rins.

Fiquei longe do celular pelo resto do dia e sai voando pra casa quando meu horário chegou, nessas horas eu só queria morar com Beca, pra ouvir as verdades que ela costuma jogar na minha cara e seus conselhos que sempre me colocavam no rumo certo. Mas, como agora tenho que ser a adulta que mora só, apenas engoli o que estava sentindo e fui preparar o meu jantar enquanto minha cabeça tentava me convencer a me jogar da varanda.

Não é fácil gostar de alguém, mas ninguém me avisou o quão difícil seria tentar esquecer de quem se gosta.

Yuánfèn - Erling HaalandOnde histórias criam vida. Descubra agora