30 - Pesadelo

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É uma missão solitária
proteger um coração quebrável.
— Atticus

 
 

A sala era quente, abafada. O ventilador de teto, girando e fazendo um barulhinho estridente, não fazia muito pelo calor. À minha volta, tinha uma mulher se abanando com uma revista e um homem ao telefone deixara aberta a porta que dava para a rua, tentando pegar qualquer resquício da brisa lá de fora.

O lugar, meio pequeno, tinha sofás de couro descascando e expositores de revistas antigas. O tapete felpudo estava mais cinza do que branco e dos alto-falantes no teto soava uma música clássica vagamente familiar.

Eu sabia que estava sonhando, mas essa foi uma percepção que só me atingiu quando reparei no livro de Biologia em meu colo e na mochila vermelha surrada apoiada em meus pés. Era a mochila que eu costumava levar para a escola.

Era o estúdio de balé em que Bella fazia aulas.

Ajoelhei-me no sofá, vislumbrando minhas unhas pintadas de um azul-claro vibrante ao segurar na borda da janela estreita que dava para a outra sala. Não pintava as unhas assim há anos e minhas mãos também eram menores…

Pela janela, vi as fileiras de garotinhas em collants e sainhas cor-de-rosa. Usavam sapatilhas com lacinhos e redinhas nos coques. Suas risadas vazavam para a sala em que eu estava, assim como a voz da professora — uma mulher esguia, de collant e saia preta — ditando passos e comandos para elas. Ela dava o exemplo e as meninas seguiam com imitações desengonçadas.

Minha irmã estava na última fileira, alternando seu olhar entre a professora e seus pés. Às vezes ela erguia a perna errada ou girava para o lado contrário, então bufava, frustrada consigo mesma. Tinha as sobrancelhas finas e infantis franzidas, os lábios apetados em um bico concentrado enquanto tentava fazer igual as demais.

Quando ergueu os olhos para a professora, seu olhar cruzou com o meu e ela fez sinal para que eu parasse de bisbilhotar.

Desci depressa, rindo da careta irritada que ela fez.

— É sua irmã?

Levei um susto, mas era apenas uma mulher que estava de pé perto da janela, também observando as meninas. Ela usava roupas de ginástica, com polainas rosa nas pernas e leggings turquesa apertadas demais.

— É, sim — sorri.

— E onde está sua mãe?

A resposta ficou entalada. Eu não sabia bem o que dizer. Nunca soubera. De todas as vezes em que aquela pergunta me fora apresentada, sempre pensava o que seria melhor dizer. Às vezes Renée estava no trabalho, verdade, mas às vezes tinha apenas saído com uma amiga. Boliche. Ioga. Qualquer que fosse o hobby da vez. E por algum motivo dizer isso parecia errado, como se eu a estivesse traindo.

— Ela não pôde vir — disse, então. — Mas ela vem na próxima.

Provavelmente não.

Felizmente, antes que a mulher pudesse falar de novo, a música clássica antes lenta tornou-se doce e alegre. O toque de saída das meninas. Comecei a juntar minhas coisas e uma profusão de garotinhas cor-de-rosa invadiu a sala. Correram para seus pais, agarraram-nos pelo pescoço e deram gritinhos esfuziantes. Eu ri, esperando o cutucão familiar de Bella, mas não veio.

Ergui os olhos, procurando.

Os pais estavam saindo com suas meninas. A professora saíra da sala também, conversava com uma mãe que tinha uma garotinha agarrada à sua perna, mas nem sinal de Bella.

Tornei a me ajoelhar no sofá, mas dessa vez minha irmã não estava na outra sala. Banheiro, talvez?

Deixei a mochila ali e saltei para o chão. Lá no fundo da mente, lembrei da regra sobre não pisar de sapatos no linóleo, mas já estava entrando na sala e meus tênis guinchavam contra o piso.

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