só somos assombrados
pelas coisas
que nos recusamos
a aceitar
— desconhecidoA viagem de carro de volta para Forks foi silenciosa, mas eu não estava em condições de dar atenção para isso. Minha mente espiralava entre muitas coisas. Muitas vozes. Muitas questões cujas respostas eu não tinha, ou tinha medo de admitir para mim mesma.
Em casa, passei direto por Charlie na sala e deixei que Bella o ocupasse com seus relatos sobre o dia enquanto subia a escada depressa e me trancava no quarto. Meus pés me guiavam de um lado para o outro, meu punho na boca, sufocando-me para evitar que o grito entalado saísse. Mas, preso em mim, ele se alastrava por meu corpo causando tremores, fazendo-me suar frio e turvando minha visão.
As palavras de Leah, narrando aquela lenda há semanas em seu tom cético, voltavam até mim como um fantasma. Assombrando-me, circundando todo e qualquer pensamento meu.
“Pra você tem outro nome, mas na reserva nós chamamos de frios. Bebedores de sangue.”
E Sam, ao fundo, ecoando.
“Isso não é uma lenda boba; é real, Tris.”
Sobre os dois, a voz suave de Carlisle, aquele sussurro delicioso que agora me arrepiava por todos os motivos errados.
“Pode confiar em mim?”
Sentei na cama, correndo os dedos pelo cabelo e tentando controlar a respiração.
Bebedores de sangue. Bebedores de sangue. Bebedores de sangue.
Eu continha a palavra subentendida sob correntes e sete chaves dentro de mim, presa em meu peito pela mesma garra que ameaçava extirpar-me de meu coração e todo o ar contido nos pulmões. Se a deixasse sair, estaria tudo acabado. Se falasse ou sequer pensasse nela, não haveria volta.
Até então toda a terrível verdade tinha se escondido em mim pelo fino véu da negação, a parte boba e racional de mim que evitava ver o mundo se não pelas lentes que haviam me acompanhado por mais de 20 anos. Maculado, sim. Mas ainda suportável. Ainda equilibrado. Essa parte de mim ainda negava fortemente o que via e ouvia, como quem fecha os olhos na esperança de que a dor que se seguir seja amenizada por isso. Mas então o quê? O que restava para negar?
Eu sabia que nada, mas ainda assim era algo insuportável de sentir. E, ainda mais, de aprisionar dentro de mim.
Frenética, abri as gavetas da minha mesa de cabeceira e puxei com força os fones e o CD player. Não podia silenciar as vozes na minha cabeça, mas com certeza poderia abafá-las. Pelo menos por algumas horas. Pelo menos até estar claro. Até que a escuridão da noite lá fora não ameaçasse mais se esgueirar pela minha janela e me sufocar como tudo que havia dentro de mim.
Deitei com a mesma roupa que havia saído, apenas chutando as sandálias para longe e ouvindo seu baque surdo quando foram de encontro a algum móvel, então ligando o dispositivo. Não fazia ideia de que CD estava contido ali e não importava, eu só queria uma fonte de som que pudesse colocar no volume máximo e deixar inundar meus pensamentos, focar em quaisquer palavras que não aquelas que giravam perigosamente por trás de meus olhos. Porém, assim que a voz irrompeu pelos fones, ficou óbvio que se tratava da versão em áudio de O Médico e o Monstro.
Eu e meu hábito consumista de possuir ambas as versões de livros queridos.
Fechei os olhos com força e foquei tanto nas palavras que eram lidas que por fim a história em si se perdeu em algum recôndito mental meu. Algumas frases, porém, saltavam aos meus ouvidos com uma familiaridade dolorosa.
“… e entre os membros da humanidade, Edward Hyde era o único que representava o mal em estado puro.”
Puxando para frente dos meus olhos aquilo que eu buscava esconder.
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Sunlight
FanfictionHá anos Beatrice Swan mora com seu pai, em Forks, afastada da mãe e da irmã mais nova. Ela não faz ideia dos mistérios e dos segredos que se escondem na cidade e em alguns de seus habitantes, até a chegada de sua irmã trazer consigo algumas reviravo...