29 - Phoenix

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uma obra-prima da tragédia.
— ventum

Havia uma distância imensa entre Bella e eu quando o carro partiu. Apesar de estarmos apenas sentadas em cantos opostos do banco de trás, só alguns centímetros nos separando, quando minha irmã se encolheu e encostou a cabeça no vidro escuro, entendi que não devia cruzar aquele espaço. Não era fácil vê-la chorando, mas parte de mim também se perguntava… O quanto dela se arrependia do que dissera em casa? O quanto de suas palavras era verdade?

Quando me mudei para Forks, Bella tinha só doze anos. Ela me pediu para ficar, se recusou a me entregar minha bolsa quando estava prestes a embarcar… Mas nunca me disse que era um erro estúpido. Não, essas palavras eu ouvi de Renée e soube que estava fazendo talvez não a coisa certa, mas a necessária.

Talvez Bella só estivesse repetindo aquilo para atingir Charlie, para tocar na ferida que nunca tinha se fechado, só uma desculpa para conseguir sair e deixá-lo seguro… Talvez ela não olhasse direito para mim por vergonha, talvez não pedisse desculpas por isso. Ela não poderia querer dizer aquilo.

Fechei os olhos e encostei minha cabeça no vidro também, tentando dormir um pouco. Tinha coisas demais passando pela cabeça, problemas demais. Escapar por algumas horas — ou até menos, não seria gananciosa, dez minutos estaria bom — era tudo o que precisava. Sem sonhos, mas também sem o pesadelo de estar acordada.

Só que fechar os olhos não impedia as coisas que queria afastar de rastejarem para a frente de minha mente, demandando atenção. Na verdade, tornava mal fácil para elas. Tudo era uma profusão. Pensamentos, vozes, rostos…

“Não podem ir agora.”

“Ele se considera um caçador e mais nada. Sua existência é consumida com a caça e tudo o que ele quer da vida é um desafio.”

“Vocês duas são o novo objetivo dele.”

“É mais pela Tris.”

“Se cuida.”

“Eu te amo.”

De repente, uma onda quente e suave de paz e cansaço estendeu seus braços sobre mim, pesando os olhos e a cabeça. Como quando se é criança e dorme no carro, então sente-se ser erguido e a próxima coisa que sabe é que está em um lugar macio, coberto, e não há preocupação nenhuma no mundo além de voltar para o sono profundo. Bocejei e tive um vislumbre de dois olhos dourados no retrovisor antes de apagar.

• • •


Não tinha ideia do quão estava cansada até acordar e ver que as árvores que passavam velozes pela janela tinham sido substituídas pela paisagem quase vazia e desértica do sudoeste americano. Com as montanhas de topos planos, os arbustos de galhos finos e cactos. Muitos cactos. Mas ainda estava escuro… Não, estava escuro de novo. Era o dia seguinte? Eu dormi por um dia? Uma viagem de carro até o Arizona deveria durar três dias, mas eu não podia ter dormido tanto assim… Além disso, estávamos indo tão rápido que em três dias estaríamos saindo do México.

— Onde estamos? — minha voz saiu rouca e foi interrompida por um bocejo.

— Quase em Phoenix — Alice se virou com um sorriso gentil. — Pode dormir mais um pouco. Tem um tempo.

Deixei minha cabeça bater no encosto. Então nós já estávamos mesmo no Arizona. A surpresa tinha se perdido em algum lugar no fundo de mim enquanto eu observava inexpressivamente aquela paisagem. E, do meu lado, minha irmã ainda estava mergulhada no sono. Também não me surpreendeu.

Os campos de golfe e piscinas turquesas começavam a surgir e isso me trazia lembranças vagas da infância. Eu tinha poucas memórias dessa época e essa sim foi uma constatação que me surpreendeu. Tentei enumerá-las. As lembranças. As concretas, eventos que eu conseguia narrar. Não muitas, era verdade. E eu podia me ver nelas, como quem assiste um filme. Como se aquelas lembranças não fossem minhas, mas de uma pessoa que se perdera no tempo.

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