Capítulo 31

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E todo esse tempo você soube
Que eu colocaria você para atravessar
A escuridão no coração do meu amor por você.
Darkness At The Heart of My Love - Ghost


DEAMHAN

  Quando a música começou a tocar, Lua e eu nos movemos como se tivéssemos ensaiado por horas e eu me sentia contente por poder olha-la diretamente. Mas eu precisava me concentrar. 

Enquanto muitos dançavam e os seguranças e o próprio David observavam tudo, minhas sombras invisíveis tomavam conta de todo o espaço adentrando em suas mentes sem que eles percebessem, enquanto tudo o que eu olhava eram olhos cinzentos e giravamos com as palmas estendidas, prontas para se tocarem, mas sem esse movimento por enquanto.

Não era um ataque mental explícito, eu queria que eles se dessem conta na hora certa, então aos poucos minhas sombras estavam entrelaçadas em cada mente, escondidas sob as partículas vazias, esperando o momento certo para sair das sombras e apertar sua mente tão forte que as controlariam. Havia em alguns seres uma proteção mais reforçada, mas eu apenas fiquei a espreita, esperando um deslize jovem para que eu pudesse adentrar e me infiltrar. Com a melodia ainda calma seguíamos dançando um de frente para o outro, com nossos olhares presos, nossas palmas estendidas se trocavam junto ao lado do nosso corpo até que o ápice do refrão chegasse.

    E, quando chegou, minha mão finalmente tocou a sua, eu a girei, fazendo a saia de seu vestido rodar e brilhar dourado, enquanto toda aquela festa parecia dizer que dourado era uma cor proibida. O dourado por muitos séculos fora usado como rebeldia contra o governo atual. Já que em Gealach a cor originária da realeza era o prata, a cor da Lua, o contraste total do tom do ouro. Mas escolhemos esse tom justamente para nos destacarmos. E, sem que eles ainda tenham uma percepção sobre minhas sombras, os olhos de todos corriam por nós. Seja Peter e seu marido dançando em um canto, ou Indie com seu humano estranho, ou eu e Lua. Leona não aparecia em meu campo de visão, mas com certeza não estava dançando. Já que deixou explícito que não faria isso.

    Usar aquele tipo de poder em tanta gente ao mesmo tempo, não era fácil, mesmo que Alex estivesse me oferecendo um suporte ainda era uma missão dificil, mas era algo que eu fazia quase sem sentir, olhando os rios cinzentos nos olhos curiosos e atônitos da minha pequena Deusa, que possuía o corpo tão menor, agora em sua forma humana, e eu gostaria de conversar com ela, mas não conseguia pensar em uma só frase que não iria nos comprometer antes da hora.

   Estiquei nossos braços, mantendo-a longe de mim, como se eu a jogasse aos olhos daqueles que observassem, mas ainda com a minha mão segurando a sua.

   Trazendo-a de volta continuamos a dançar sob o ritmo de Darkness At The Heart of My Love, enquanto sentia seus dedos trêmulos em alguns momentos. Eu me sentia um adolescente que nunca tocou numa mulher, eu estava cada vez mais doente por ela, mais sedento, viciado, louco. Seu amor era tudo o que eu precisava, mas eu sabia que ainda não o tinha. Seria seu guerreiro, seu guardião, seu escudo, sua proteção, seria o que fosse necessário desde que eu pudesse ser seu.

Minha boca pinicava de ansiedade para beija-la. Minha mão pinicava para tirar aquele vestido, eu precisava dela, ama-la, e eu faria aquilo a noite inteira.

  A nossa maior piada e jogada estava tão bem instalada que eles não percebiam. A música para a primeira dança fora escolhida por mim, enquanto vivia na pele de Killian Stuart, um dos Corvos que matei para me infiltrar. Uma canção que para seu autor era uma crítica contra a igreja e sua devoção desnecessária e doentia, mas para qualquer outra pessoa poderia soar como uma linda canção de um amor não tão puro. A melodia romântica e a valsa leve que dançávamos era um contraste e uma piada implícita. Num momento de guerra, de violência e tortura eu os faria ver eu e minha garota dançando apaixonados.

Com as sombras bem instaladas em todos, eu a olhei, como se estivesse solto de amarras, e sorri, antes de beija-la e ouvir todos surpresos, e então minhas sombras apertaram em suas mentes, deixando-os ainda mais chocados por não conseguirem se mover ou falar algo. Cada movimento que eles ofereciam era um movimento ordenado por mim, fazendo com que eles se tornassem meus fantoches. E eu ouvia, no interior da minha mente que controlava as suas, eu ouvia seus gritos e gemidos, suas súplicas e seus pensamentos de que agora tudo estava acabado, pois o demônio tinha descoberto seus pecados.

—Eles estavam doidos para isso! -Leona resmungou de longe e eu sorri com a boca ainda colada na de Lua, me afastando aos poucos apenas para tocar nossos narizes com carinho.

Minhas sombras e as de Alex faziam todos, incluindo o humano que dançava com Indie, sentarem no chão a nossa volta. Não olhava para David, quando tinha a visão de Lua a minha frente. Estava envenenado, ela era a única coisa que eu queria olhar.

   Tirando o capuz de seus cabelos e acariciando os fios com meus dedos, eu murmurei os versos do feitiço, com seu consentimento e sua magia bem treinada, ela se transformou rapidamente em minhas mãos, com um enorme brilho de platina que quase cegava.

Eu ouvia o murmuro dos outros, mas minhas sombras mentais não permitiam que falassem, e as sombras visuais se estenderam e esticaram por todo o local se transformando em inúmeras figuras minhas, o mesmo rosto, a mesma vestimenta, mas todas as duplicatas possuíam os olhos completamente negros, como um lembrete de que eram feitos apenas de escuridão.

  Lua arfou sob a visão das sombras se transformando e ela sorriu com o rosto ainda em minhas mãos. —Eu quero aprender isso.

Removendo a capa para balança-la em minhas mãos, o tecido se transformou em uma enorme coroa de ouro enfeitada de obisidianas em forma de gotas com pequenas pedrinhas de diamantes aqui e ali. Digna de uma Rainha. O nosso teatro estava montado, e como uma plateia obediente todos nos encaravam sentados a nossa volta. Eles ririam quando eu quisesse, chorariam e iriam nos aplaudir também, se eu assim desejasse.

Colocando a tiara em sua cabeça, eu me arrepiei com a visão. Era uma tiara que revestia todo o topo de sua cabeça. Diamantes reluziam em inúmeras partes do objeto e ela aceitou de bom grado aquela coroa que demonstrava a nossa vitória naquela batalha. Tirando a máscara de seu próprio rosto, Lua nos permitiu ver a maquiagem artística que escondia. Olhos esfumaçados com sombra e delineador preto e dourado, fazendo com que seus olhos parecessem mais inclinados que o normal.

   Quando meus olhos finalmente a deixaram, vi o horror que beirava no rosto dos Corvos, e tudo o que fizemos foi continuar dançando. Via que David tentava constantemente falar ou se mover, o desespero estava explícito em seus olhos, sua pele vermelha mostrava a força e raiva que ele sentia por ter sido enganado. Estava tão óbvio...

—Está magnífica, minha Deusa. -Murmurei em seu ouvido mesmo sabendo que a maioria aqui tinha poder o suficiente para nos ouvir.

Controlando o que eles podiam ou não fazer, soltei as amarras que prendiam suas bocas para ouvi-los chorar e grunhir, já sabendo o que os aguardava por brincar conosco. Alguns tolos ainda não pareciam entender o que acontecia diante dos seus olhos, mas os que entendiam que foram pegos imploraram por perdão.

—Você nos enganou, Deamhan. -David acusou, me fazendo rir e nunca desviar o olhar de Lua enquanto eu a girava, eu o ouvia se debater, tentando se soltar das amarras mágicas das sombras, mas sabia que ele não teria êxito. —Ele está te usando, menina. Não vê isso? Esse demônio...

Antes que pudesse continuar, minhas sombras prenderam a boca de todos em um único segundo e pude terminar de dançar com minha Rainha em meus braços, fazendo com que cada pequeno e coitado Corvo naquele salão ficasse ainda mais apavorado, sem poder se quer fazer algo, falar algo.

—I'm with you always. -Cantarolo no ouvido de Lua enquanto a balanço em meus braços no final de nossa dança, que ri, incorporando seu novo papel. O de herdeira vingativa. Quando terminamos a dança continuamos rindo, como dois doentes. Eu beijo o topo de sua cabeça e acaricio suas costas antes de nos virarmos para agradecer com uma reverência debochada a nossa querida plateia. —Obrigada gente, que música romântica!

Com apenas um comando todas as sombras fizeram os corvos rirem mesmo que lágrimas caíssem de seus olhos e eu encarei Lua, para vê-la com o canto do lábio levantado, destemida, pronta para a nova fase do nosso jogo.

DeamhanOnde histórias criam vida. Descubra agora