Depois de chamar o chaveiro, me sentei na porta da loja para esperá-lo, a fim de que ele resolvesse aquele problema. Ao menos, um deles era passível de resolução, já que o outro insuportavelmente sexy se encontrava dentro da livraria.
Como era possível detestar alguém e, ainda assim, achá-lo tão atraente? No entanto, antes de poder continuar divagando a respeito, o chaveiro chegou interrompendo o rumo caótico dos meus pensamentos.
O resto do dia seguiu sem mais surpresas para o bem-estar da minha sanidade. Nunca foi tão reconfortante o entra e sai de clientes na loja e o movimento acabou por me entreter. Contudo, quando chegou a hora de fechar, um medo irracional se apossou de mim com a possibilidade de voltar a encarar Thomas, o que era deprimente.
Admitindo, ainda que de mau humor, que essa possibilidade existia e que não era algo que estava sob meu controle, praguejei. Suspirando pesadamente saí da loja resignada em contar com a sorte, claramente ela não estava do meu lado, pois Thomas já se encontrava do lado de fora. Ele enrijeceu o maxilar ao olhar para mim. Aparentemente ele estava tendo dificuldade em assimilar o que eu havia lhe revelado. Eu confesso que esperei por um pedido de desculpas já que ele me encarava intensamente, mas passou por mim sem proferir uma palavra sequer. Eu deveria estar contente, ele fez exatamente o que eu pedi e se manteve distante. Então por que eu me sentia desapontada?
***
Finalmente encontrei disposição para ir até o mercado. O que era bom, pois minha despensa já se encontrava vazia. Fiz uma lista de tudo o que pretendia comprar, com os últimos acontecimentos minha cabeça estava mais agitada do que o povo que lotava o Mardi Gras.
Sem dúvidas, se não houvesse um pequeno lembrete, eu me esqueceria de alguma coisa. Caminhei sentindo o ar fresco da noite enquanto seguia em direção ao French Market. Sendo um dos mercados mais antigos da cidade e também dos EUA, com seus mais de dois séculos de existência, o mercado era importante tanto para o desenvolvimento econômico quanto cultural.
Eu adorava ir até lá, pois o lugar era constituído por diversas culturas que foram responsáveis por colonizar a cidade. Ali via-se presente traços da identidade dos nativos americanos, passando por escravos trazidos pelos franceses e espanhóis, além de imigrantes italianos, irlandeses, alemães e caribenhos. Lá as culturas se fundiam trazendo elementos de suas raízes e fazendo de New Orleans uma cidade culturalmente única. Composto por restaurantes, lojas e música ao vivo, tudo ao ar livre, eu me perdia entre roupas, bijuterias e antiguidades. Sem falar na variedade gastronômica da cozinha local, tanto da cozinha Creolle, quanto da Cajun. O aroma de pimenta, entre outras especiarias, o tornava um dos meus lugares preferidos na cidade.
Mais tarde, já confortavelmente deitada em minha cama, eu repassava mentalmente os acontecimentos do dia. O que me dava a sensação de ter centenas de borboletas no estômago, seria só apreensão ou era algo mais? Incerta de como as coisas seriam dali para a frente adormeci. Meus sonhos naquela noite foram povoados por insondáveis olhos pretos.
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Jazz, livros e o amor no meio disso
RomanceEsther Blossom respira música, já Thomas Castillo inspira livros. O que esses dois têm em comum além de traumas do passado? Esther é uma mulher forte que já sofreu muito e encontrou nas divas do jazz um reconhecimento e uma fonte de inspiração. Vivi...