Capítulo 26

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Depois de uma ducha demorada escolhi uma jardineira jeans e uma camiseta listrada de mangas curtas para aquele dia. Prendi meu cabelo em um rabo de cavalo baixo e amei o resultado. Eu adorava o volume proveniente dos meus cachos soltos ou presos. Para finalizar a cópia fiel de um disco de vinil em forma de brinco, o meu preferido.

Contrariando minha natureza desordeira antes de sair lavei a louça e coloquei a roupa suja acumulada na máquina de lavar. Entre arrumar a cama e tomar café, obviamente optei pelo segundo; os ovos mexidos ficaram deliciosos, aliás.

Ser tão não era saudável e eu sabia disso, entretanto existia uma parte de mim que carregava uma espécie de trauma por conta das tarefas que eu era obrigada a cumprir no orfanato.

A caminho da porta olhei para o presente abandonado no sofá. Era um livro, eu nunca gostei de livros. E, ainda por cima, era Thomas quem havia me dado. Por outro lado, era um livro que significava em muitas escalas. Não faria mal algum se eu folheasse algumas páginas, certo? A verdade é que eu me sentia curiosa para saber mais sobre Maya Angelou. Então peguei o livro, pondo fim a minha batalha interna, porque já estava consideravelmente atrasada para abrir a loja naquela .

***

Já na Jackson parei para admirar a Catedral St. Louis, uma das mais altas construções do French Quarter e um importante símbolo de Nova Orleans. Era a igreja católica mais antiga do país em funcionamento. Eu adorava caminhar lá dentro ao som das notas graves do órgão enquanto admirava os vitrais que contavam a história de São Luís, era algo que tinha um efeito calmante sobre mim. Me dei conta de que eu não fazia isso há algum tempo. Na verdade, eu já não fazia um monte de coisas que costumava fazer.

Nossa Senhora das Insulanas Desavisadas, o que é que estava acontecendo comigo? Preferi ignorar a vozinha que soprou para mim o nome e sobrenome da forma humana do problema responsável por isso.

Enfim, a igreja do século XVIII era um pano de fundo pitoresco na agitada praça, concluí em meio ao meu devaneio. Olhando mais atentamente, avistei Dylan sentado em um banco junto a outros artistas de rua e caminhei em sua direção lembrando de guardar o segredo de Kate debaixo de sete chaves, afinal seria uma lástima estragar a surpresa.

— Olá, Dylan, como vai? — indaguei animada.

— Olá, Esther, estou bem obrigado — respondeu ele cordial. — E você?

— Mais atrasada para o trabalho do que eu gostaria — confessei divertida.

— Pontualidade nunca foi seu forte, não é, minha querida? — falou ele afável.

— Não mesmo — concordei com um suspiro consternado.

— Não pude deixar de vê-la contemplando a catedral. De longe, você me pareceu bastante pensativa.

Suspirei aflita e estendi o livro que tinha nas mãos para ele, que arqueou as sobrancelhas no mesmo instante.

— É a primeira vez, desde que a conheço, que a vejo com um livro nas mãos — disse ele com um sorriso gentil. — Imagino que isso tenha a ver com o rapaz da loja vizinha.

— Sim — solucei.

— Estou impressionado com a escolha da obra — declarou. — No entanto, já passa das nove, Esther, você precisa abrir a loja e eu preciso começar a tocar para os turistas.

— Você está me dispensando  ?

— Mas é claro que não, ora! — respondeu ele . — Entretanto, o que eu tenho para lhe dizer a respeito requer tempo. Então me encontre aqui, após fechar a loja, ok?

Eu sorri satisfeita por saber que, depois do expediente, seria aconselhada por Dylan, que era o mais próximo que eu tinha de um pai. Depositei um beijo em sua bochecha e segui para a The Drum's.



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