Capítulo 8

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Resolvi me ocupar com a limpeza da loja ao invés de pensar a respeito do que Dylan me disse. Era isso ou eu enlouqueceria. Escolhi Nina Simone para aquela manhã e tomei o cuidado de deixar o volume consideravelmente baixo, o que não era algo habitual para mim. Assim eu esperava evitar que Thomas fosse até a loja reclamar do barulho.

Não que eu não fosse lhe entregar a encomenda, claro que entregaria. Eu só não me sentia preparada ainda. Pretendia me recompor primeiro. Ora, não era minha culpa se eu ainda não havia conseguido digerir o que tinha ouvido.

Comecei a tirar a poeira dos instrumentos, espanando-os vigorosamente. Os instrumentos de corda ficavam pendurados por meio de suportes em uma parede e os de sopro em outra, devidamente separados por suas respectivas funções. Já os teclados, a bateria e as caixas de som ocupavam o fundo da loja dando espaço para as caixas expositoras que armazenavam os discos de vinil separados por gênero. Havia várias delas no centro da loja, dispostas lado a lado. No canto, em cima de um aparador vintage, vitrolas com fones de ouvido foram colocadas para que cada cliente pudesse ouvir um pouco de música enquanto buscava pelo disco de seu interesse. Itens menores como palhetas, cordas avulsas, fios conectores ficavam no balcão ou no estoque.

Algum tempo se passou e minha ocupação acabou por me distrair. Quando finalmente terminei, já estava no horário de almoço. Ignorei meu senso falho de responsabilidade e jurei solenemente que, depois do almoço, entregaria a caixa. Não era nada demais, pensei, decerto lá dentro continha livros, o que ele já tinha em grande quantidade em seu estabelecimento.

Quando não dava mais para adiar e nem mesmo desempenhar outro labor me dirigi para a livraria portando a famigerada encomenda. Aquilo era o que uma pessoa de bom coração faria. Além do mais, lojistas vizinhos deviam ser prestativos uns com os outros, tentei me convencer.

Tomei coragem e entrei na livraria. Ele estava lendo um livro, totalmente absorto enquanto o fazia. Um sorriso genuíno lhe escapou dos lábios. Certo, não era a primeira vez que eu via pessoas com livros nas mãos sorrindo. Aquilo não fazia muito sentido para mim. Os segundos se passaram e, como Thomas continuou imerso na leitura, forcei uma tosse para chamar sua atenção.

Quando ele tirou os olhos do livro e me olhou, apenas o encarei dada a intensidade do seu olhar, incapaz de proferir palavra alguma. Eu não conseguia entender por que ele me afetava daquele jeito. Thomas era um cara comum. Tudo bem, aquela era uma mentira deslavada, de comum ele não tinha nada, admiti.

Chegava a ser uma tremenda falta de educação ser tão bonito e charmoso assim.

— Pois não? — indagou ele.

Pisquei saindo das minhas insanas conjecturas.

— Isso chegou para você. — Coloquei cuidadosamente a caixa no balcão. — A livraria estava fechada, então o carteiro me pediu para lhe entregar — expliquei.

— Suponho que isso tenha acontecido pela manhã, certo?

Mentalmente eu me repreendi, que vergonha. Com certeza ele me acharia displicente com a encomenda alheia. E o pior era que eu merecia.

— Me d-desculpa — gaguejei envergonhada. — Eu comecei a limpar a loja e me distraí, quando atinei já era hora do almoço. — Dei de ombros e sorri sem graça.

— Ei, não vou te crucificar por isso, relaxa. Eu só perguntei porque estou esperando uma edição de colecionador para um cliente há uma semana.

— Hum... então por que veio para o endereço da livraria ao invés de direto no dele?

— Como lojista você deveria saber — ele me alfinetou.

— Nada me vem à mente.

— Temos descontos nos pedidos de certos produtos. — esclareceu dando de ombros. — Ou funciona diferente com a venda de discos e instrumentos?

Apesar de não querer parecer uma idiota era exatamente o que eu estava parecendo. Eu nem parecia uma lojista experiente.

— Ah sim, verdade. Como pude me esquecer?!

— Esther, você parece habitar o mundo da lua com certa frequência. — Ele balançou a cabeça divertido e uma mecha dos seus cabelos escapou. De forma displicente, ele a colocou de volta atrás da orelha.

Aquela performance não foi nada demais, disse a mim mesma tentando recuperar a compostura. Tamborilei os dedos na caixa enquanto tentava formular uma resposta à altura.

Foi quando baixei os olhos e, pela primeira vez, li o nome ali escrito: Thomas Castillo. No mesmo instante, lembranças confusas me assolaram, mas eu não tinha certeza.

— Eu preciso ir — avisei atordoada murmurando um "com licença" quase inaudível.

Confusa como estava praticamente corri até a saída e, ao invés de sair como o furacão de sempre, deixei a loja como um ventinho de nada.


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