Capítulo 2

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Assim que me virei ainda dançando, me deparei com um estranho me olhando como quem olhava para um lunático. Parei de dançar no mesmo instante. Analisei-o de forma despudorada e, quem quer que fosse o intruso, ele era muito interessante. Com isso, eu queria dizer lindo, charmoso e totalmente beijável.

Fui incapaz de conter o sorriso sacana que despontou dos meus lábios. Nos encaramos por mais alguns segundos até que resolvi quebrar o silêncio.

- Posso ajudar? - perguntei solícita.

- Pode sim. - Ele apontou para o teto como se seu dedo fosse uma varinha e ele fosse jogar um feitiço, não duvidei que fosse. Analisei o anel prateado no dedo indicador e fui provocada pela sua pequena argola reluzente na orelha. - Isso.

Isso? Desta vez emiti um som com a boca.

- Precisa ser mais assertivo - propus, enquanto ele corria os olhos rápido demais pelo ambiente.

- Que abaixe o volume da sua música - ele pausou, focando em meus olhos. - Não percebeu que está exageradamente alto? - perguntou claramente aborrecido provando que não era um cliente em potencial.

- E quem você pensa que é para me fazer um pedido descabido desses?! - indaguei ultrajada.

- O dono da loja ao lado. - Ele voltou a usar o dedo para me nortear, notei mais um anel em sua mão. - New Orleans' Bookstore.

Forcei a memória apertando os olhos com o esforço, não me lembrava de uma loja ao lado da minha. Passei a mão nos meus cachos especialmente volumosos naquela manhã, eriçando-os um pouco mais.

Notando minha confusão, o intruso voltou a falar:

- Na verdade, eu a reabri esta manhã - completou a explicação.

Fiz uma careta, por isso eu não me lembrava. A loja a qual ele se referia esteve fechada nos últimos seis meses desde que seu dono faleceu. Além do mais, eu não consumia livros por hobby, li o necessário para o colegial. A simples ideia de ler já me dava sono.

- E então, vai ou não abaixar o volume? - perguntou ele me puxando de volta para a Terra, colocando as mãos nos bolsos de seu jeans. Seus ombros largos estavam cobertos por uma camisa preta de botão, que estava semiaberta.

"Quanta prepotência!", pensei voltando a encará-lo. Apesar da aparência descolada, estilo pirata, ele tinha cabelos pretos ondulados na altura do pescoço, bigode e uma barba rala da mesma cor, que contrastavam perfeitamente com sua pele bronzeada, ainda assim eu estava inclinada a ignorar isso e lhe negar o pedido.

Afinal, qual o problema com a música, se estávamos em uma cidade irrevogavelmente musical?

- Não, sabe como é, estamos na cidade do agito. - Balancei os quadris para dar ênfase a minha fala e sorri satisfeita com a minha provocação.

- Tudo bem, vá para o inferno então!

- O que você disse? - Me voltei para encará-lo, ele não se moveu, como se esperasse por minha réplica diante de sua agressividade comedida.

- Que vá para o inferno - repetiu baixo e envergonhado.

- É para onde todos vamos, eventualmente. - Sorri e ele balançou de leve a cabeça. - Está no inferno agora mesmo, enquanto odeia minha música; e vai permanecer, enquanto eu não desligar - provoquei.

- Então é isso? - Sua voz rouca passeou por meus metais, assenti sorrindo vitoriosa.

Assim, o estranho sexy me deu as costas e partiu.

Quem ele pensava que era para mandar no volume da minha música? O que eu podia fazer se livros não falavam?

Gargalhei do meu pensamento, e desejei ter dito isso a ele.

O dia passou sem mais transtornos e, em dado momento, eu abaixei ligeiramente o volume do toca-discos. Sabe como é, me lembrei da política da boa vizinhança e tal. Não tinha nada a ver com aqueles olhos negros intimidadores, disse a mim mesma.

Resolvi fechar a loja um pouco antes das seis e seguir para a Bourbon Street, tudo que eu precisava para relaxar era de um hurricane e uma boa música; e em uma rua de quatorze quarteirões dedicada exclusivamente ao bom e velho jazz, com certeza eu encontraria um pub que oferecesse o que eu estava procurando naquela noite.


Jazz, livros e o amor no meio dissoOnde histórias criam vida. Descubra agora