Capítulo 29

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Alguns dias haviam se passado e eu ainda não tinha conseguido conversar com os pais de Kate que sempre tinham um compromisso diferente. Ver minha amiga daquele jeito me deixava muito triste e preocupada. Não era justo que as pessoas não tivessem liberdade para amar.

Como de costume, eu me encontrava em frente ao espelho finalizando meus cachos. Depois de uma boa hidratação, eu estava realizando o processo de fitagem que era uma técnica de finalização para definir cabelos crespos ou cacheados. Consistia em aplicar creme de pentear, separar o cabelo em mechas penteando os fios com os dedos, separando-os como se fossem fitas. Depois disso, eu pressionava o cabelo das pontas em direção a raiz para que os fios memorizassem a forma dos cachos. A vantagem de fazer essa finalização era que, além de prática, meu black mantinha a definição por aproximadamente três dias.

Satisfeita com o resultado me levantei para escolher o que usaria naquele dia. Abri meu guarda-roupa e comecei a jogar as peças de roupa sobre a cama. Encontrei uma saia jeans de botão e resolvi usá-la com uma camiseta branca que tinha estampada o trecho de Feeling good, minha canção favorita da Nina Simone.

"É um novo amanhecer

É um novo dia

É uma nova vida para mim

Estou me sentindo bem"

Suspirei contente inebriada com aquele hino e comecei a cantarolar enquanto procurava meu tênis, apenas um par estava à vista. Me agachei para olhar debaixo da cama e encontrei minha bandana que estava desaparecida há alguns dias, mas nada do outro par de tênis.

Segui para o banheiro e depois de lembrar que havia recolhido algumas peças de roupa do chão no dia anterior deduzi que pudesse ter pegado o tênis sem querer. Virei o cesto de roupa suja e, surpresa, lá estava meu desbotado vans vermelho. Coloquei as roupas de volta no cesto e voltei para o quarto com o na mão. olhei para a cama sem arrumar com incontáveis peças de roupa esparramadas sobre ela. Não ia dar tempo de dobrar tudo e sair em um horário razoável de casa, então embolei as roupas e as guardei de volta no guarda-roupa.

Um calafrio percorreu a minha espinha ao me lembrar da primeira e única vez que fiz isso no orfanato, pois queria acabar logo a tarefa do dia para brincar no jardim. Meu castigo foi ir para o porão escuro, frio e povoado por ratos e ficar sem o jantar naquela noite.

Sacudi a cabeça para afastar a lembrança. Por sorte, eu não estava mais lá. Os dias de castigo e porão e privação de comida por determinação de Eleanor haviam ficado para trás. Baixei os olhos para a camiseta que vestia e voltei a cantarolar para exorcizar velhos fantasmas. Era uma nova vida para mim, me lembrei.

***

No para a The Drum's decidi que precisava de um café com creme, então parei no café Du Monde para sustentar meu vício. Encostei minha bicicleta na calçada e entrei. Fiz meu pedido. Àquela hora da manhã, o café estava sempre lotado, por isso abri meu livro enquanto aguardava.

— Como é bom encontrar pela segunda vez uma velha amiga do colegial — disse uma voz irônica a poucos metros de mim.

Levantei os olhos para me deparar com Brad Castillo e fui incapaz de disfarçar meu descontentamento. Ao contrário de Thomas, ele me provocava uma sensação de medo e repulsa.

— Não sou sua velha amiga, Brad. De onde tirou isso? — rebati.

— Tem razão, Esther, você fazia parte do grupo dos excluídos e eu do grupo popular — desculpou-se ele com um sorriso de escárnio.

— Babaca! — soltei irritada.

— Não precisa ser assim agora, cisne negro, a gente pode resolver isso.

Ele caminhou em minha direção encurtando a pequena distância entre nós me encarando com lascívia. Eu definitivamente não gostava daquele cara.

— Será que você pode me dar licença? Eu estou tentando ler — pedi balançando o livro diante dele.

— Você também é adepta a leitura como o meu primo? — perguntou com claro desdém.

— Não é da sua conta. Por favor, me deixa em paz, Brad — insisti.

— Sabe que eu gosto de como meu nome sai desses seus lábios carnudos.

Engoli em seco chocada quando percebi que ele estava tentando flertar comigo descaradamente. Por sorte, meu pedido ficou pronto e eu me adiantei para pegá-lo ignorando o homem do meu lado. Ainda que ele se parecesse com Thomas fisicamente, o tom caramelo da pele, os olhos e os cabelos escuros — seus cabelos eram curtos diferentemente dos cabelos longos e charmosos do pirata da livraria —, a semelhança acabava aí. E algo me dizia que eu não gostaria de descobrir em que mais aqueles dois eram diferentes.

Brad fez questão de não sair da minha frente quando me afastei do balcão e, ainda por cima, teve a audácia de gargalhar quando eu esbarrei em seu ombro na tentativa de me desvencilhar dele.

Segui para a The Drum's bufando de raiva com o acontecido e, para ajudar a piorar meu humor, me deparei com a moto de Thomas em frente à minha loja exatamente onde eu costumava deixar minha bicicleta. O que aconteceu com a camaradagem do pirata em estacionar seu veículo na calçada do outro lado da rua? Não importava! Tecnicamente aquela vaga era minha, eu havia chegado primeiro — não naquele dia — eu me referia àquele lugar. Muito abusado ele, ocupando a vaga alheia. Portanto, decidi colocar minha bicicleta colada à sua Harley preta e imponente — não por isso. Minha bicicleta vermelha com cestinha de palha também tinha seu charme.

Contente com minha resolução peguei meu café e minha bolsa na cestinha e entrei na loja para mais um dia de trabalho.



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