— Pensei que não fosse mais vir — Dylan disse assim que me sentei ao seu lado em um dos bancos da movimentada Jackson Square.
— Me desculpe, tive um contratempo bem na hora de fechar a loja.
Ele estreitou os olhos e me examinou por alguns segundos:
— Algo me diz que tem a ver com a forma humana do problema.
Revirei os olhos em resposta consternada com a perspicácia dele.
— Aham... — confirmei.
— Esther, você já se envolveu com outros caras antes...
— O Thomas não é qualquer cara, Dylan — interrompi-o.
— Deu pra perceber que não — falou ele em um tom conspiratório. — Eu nunca a vi tão inquieta assim.
Reprimi um gemido e me remexi desconfortável ao seu lado no banco.
— Sinto que vem um, mas por aí, não é?
Assenti .
— Ele é um dos garotos que era racista comigo no colegial. Descobri naquele dia em que fui entregar a famigerada caixa a ele na livraria.
— Como?
— Vi sem querer o sobrenome no endereço escrito na caixa. E, então, me lembrei de tudo.
— Esther, eu sinto muito, você tem certeza de que é realmente ele.
— Por que essa pergunta?
— Porque ele não me parece ser esse tipo de pessoa, só isso — disse ele dando de ombros.
— Nem tudo é o que parece — argumentei.
— Eu não costumo me enganar, você sabe. Mas, enfim, então essa é a razão para você estar tão resistente?
— E você acha pouco? — perguntei indignada.
Ele gargalhou sacudindo a cabeça.
— Nem tudo é o que parece — repetiu ele.
— Nesse caso, acho que é sim. E eu já disse isso.
— Bom, então vou dizer outra coisa. É preciso dar tempo ao tempo — Dylan falou bastante enigmático.
Quando eu ia perguntar o que ele queria dizer com aquilo, meu celular tocou. Era Kate me perguntando se eu estava em casa e se ela poderia ir até lá. Notei que sua voz estava embargada e fiquei preocupada. Me de Dylan e segui para casa.
***
Kate me esperava do lado de fora, seus olhos vermelhos e inchados delatavam que algo não estava bem. Eu a abracei e murmurei um "vai ficar tudo bem". O que quer que estivesse acontecendo eu estaria do seu lado.
Entramos e nos sentamos no sofá. Kate pegou uma almofada e a abraçou contra o peito em completo desalento.
— O que houve? — perguntei aflita.
— Contei para os meus pais sobre minha orientação sexual e a conversa não foi nem de longe como eu esperava, Esther — respondeu e lágrimas escaparam dos seus olhos.
— Sinto muito, de verdade — disse segurando sua mão. — Talvez eles só precisem de tempo para digerir isso melhor — argumentei, em uma tentativa de consolá-la.
Ela soltou minha mão para secar as lágrimas que rolavam copiosamente por seu rosto.
— Acho que não. Primeiro, eles ficaram chocados; depois, esbravejaram e, em seguida, se mostraram desapontados. Mas a pior parte foi quando atribuíram isso ao fato de eu ter ido estudar na Juilliard e disseram que é só uma fase.
Engoli em seco sem saber o que dizer a ela. Os pais de Kate sempre foram amorosos e a apoiaram em tudo, além do mais eles nunca me pareceram preconceituosos. No entanto, eu não tinha experiência com pais para entender o porquê deles reagirem daquela forma.
— Sabe, eu sempre me senti presa, fingindo ser uma coisa que eu não era o tempo todo. Eu só era eu mesma com você que sabia e não me julgava.
— Lamento muito que tenha se sentido assim, não posso imaginar o quanto foi difícil para você.
— Até me mudar para Nova York eu me sentia sufocada, estava sempre pisando em ovos com medo dos meus pais.
— Quer beber alguma coisa? — ofereci — Um café ou uma cerveja.
Kate devolveu a almofada ao sofá e se levantou.
— Cerveja com certeza, preciso anestesiar essa dor que estou sentindo.
Me levantei e caminhei em direção a geladeira com minha amiga atrás de mim fungando algumas vezes. Demorei alguns instantes para encontrar o abridor, o que fez com que Kate desse um pequeno sorriso.
— Se quiser pode passar a noite aqui, podemos assistir um filme — sugeri.
— Obrigada, mas prefiro voltar para casa, não quero que pareça que estou me escondendo. Eu demorei a sair do armário e não pretendo entrar novamente.
— Estou muito orgulhosa de você, da mulher que se tornou.
— Também tenho orgulho de você, amiga, e da mulher que se tornou. Já vou indo, vou ligar para a Julie no caminho e contar a ela o desastre que foi a conversa com meus pais.
— É a primeira vez que fala o nome da sua namorada — observei sorrindo.
Kate desviou os olhos para o chão ligeiramente envergonhada, o que foi muito fofo. Nos despedimos e depois de um banho relaxante e demorado resolvi ler um pouco. Antes de dormir me peguei pensando em uma forma de ajudar Kate e decidi que iria conversar com os pais dela.
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Jazz, livros e o amor no meio disso
RomanceEsther Blossom respira música, já Thomas Castillo inspira livros. O que esses dois têm em comum além de traumas do passado? Esther é uma mulher forte que já sofreu muito e encontrou nas divas do jazz um reconhecimento e uma fonte de inspiração. Vivi...