Capítulo 31

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"No Café Beignet, depois das seis", as últimas palavras que Thomas havia dito para mim ecoavam em minha mente repetidamente. Me perguntei se aquilo configurava como um encontro, não é claro que não disse a mim mesma. O motivo para nos encontrarmos era conversar sobre minha experiência de leitura nada mais do que isso.

Aumentei o volume do toca-discos, era preferível ouvir música do que meus pensamentos.

Tentei me concentrar em outra coisa como, por exemplo, na liquidação que eu estava planejando realizar . Colocaria em oferta alguns instrumentos de corda e sopro, além de algumas relíquias em forma de vinil. Depois de um tempo imersa em minha tarefa, terminei de listar o que entraria na promoção. Conferi o estoque, cataloguei alguns discos de vinil que haviam chegado, atendi alguns clientes.

Inacreditavelmente assim que tive um tempo livre me peguei sentindo falta da leitura e do que ela havia me proporcionado. O que fez com que eu pensasse em Thomas no mesmo instante. Ultimamente lembrava dele toda vez que via um livro.

— Que loja adorável! — ouvi uma mulher dizer do lado de fora.

— Sim, muito charmosa — um homem concordou com ela.

Levantei a cabeça em direção à entrada quando ouvi passos se aproximando da loja e me deparei com os pais de Kate.

— Sr. e Sra. Johnson? — disse surpresa.

— Querida, por favor, tio Michael e tia Sarah — pediu ela.

Contornei o balcão para abraçá-los, ainda surpresa. Eu queria mesmo encontrá-los e ali estavam eles por acaso.

— Que bom revê-los! — falei realmente feliz.

— Ficamos muito contentes quando a Kate nos disse que a pequena Esther era dona de uma loja de instrumentos — falou o tio Michael.

— Bom, já não sou tão pequena assim — brinquei.

— Verdade, você cresceu e está uma linda mulher — concordou a mãe de Kate.

— Obrigada. Não nos vemos desde que Kate foi para Nova York, não é? — indaguei.

— Sim, decidimos nos mudar para Boston para lidar melhor com a síndrome do ninho vazio. E para nos distrair fizemos vários cruzeiros e oficinas para casais — contou tia Sarah animada.

— E agora ela é a razão de estarmos de volta à Nola — informou o pai de Kate comprimindo os lábios em uma linha fina.

— Deixe-me mostrar melhor a loja para vocês — convidei fingindo não notar sua clara contrariedade.

Eles ficaram encantados com os discos de vinil e compraram vários, alguns para eles e outros para presentear os amigos em Boston. O caixa da loja agradecia. Depois de embalar e entregar suas compras, eu não podia mais adiar a conversa. Afinal, era uma tremenda sorte eles terem ido até lá.

— Estou louca para conhecer a Julie — soltei de modo nada sutil.

Eles me encararam sobressaltados.

— Esther, você acha isso ? — me perguntou Michael perplexo.

— Mas é claro, por que não ? — rebati.

— Um verdadeiro disparate uma coisa dessas, minha filha nunca foi assim, foi só ir para a faculdade que perdeu o juízo! — Arqueei a sobrancelha enquanto ele esbravejava.

Olhei de esguelha para Sarah, que tinha o semblante preocupado e os olhos marejados.

— Tio Michael, na verdade a Kate sempre foi assim, desde que eu a conheci no colegial. Acho que ela só omitiu isso com medo de magoar vocês. E esse tempo todo acabou magoando a si mesma.

Tia Sarah fungou discretamente.

— Como assim? — ele perguntou confuso.

— Reprimir quem se é e o que se sente pode ser desolador — expliquei séria. — Marca você de um jeito que pode te destruir por dentro. O senhor já parou para pensar no fardo que a Kate vem carregando pelo simples fato de não poder ser ela mesma com quem ela mais ama?

— Na verdade, eu nunca parei para pensar sobre isso, eu só parei para pensar no que eu não queria.

Ele abaixou a cabeça abatido. Sua mulher segurou sua mão confortando-o, ainda que também precisasse ser confortada.

— Esther — ela disse me surpreendendo —, na verdade os pais sempre sabem; e o Michael e eu sempre soubemos, a gente só não queria aceitar. Um pouco por nós mesmos, mas ainda mais pela nossa filha. Sabemos como o mundo é preconceituoso e cruel. A gente não queria que ela sofresse duas vezes pela cor da pele e pela orientação sexual.

— Ela não precisa que vocês temam por ela, ela precisa que vocês a amem.

— Mas e se alguma coisa acontecer com a nossa garotinha?

— Tenho certeza de que vocês estarão lá por ela.

Eles se abraçaram, chorando discretamente e consolando um ao outro, pois ambos temiam pela mesma coisa. Algumas vezes sabemos que algo dói em nós, mas precisamos que alguém nos mostre exatamente onde. No fundo, o casal só estava com medo por eles e, principalmente, pela filha.



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