Capítulo 12

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ALFONSO

Com a ajuda de um chef de verdade de um restaurante caribenho na cidade, nós filmamos a sequência da cozinha, que envolveu uma porção de legumes picados, risadas e provas. Eu fui criado no restaurante da família, então nada daquilo era novidade para mim. Eu provavelmente estava mais à vontade na cozinha do que todos os outros, cercado pelo aroma de alho e dos vegetais cozidos.

Aquela parte foi filmada sem a captação de áudio, o que significava que nada do que os atores dissessem durante a gravação seria incluído na cena final. Nós devíamos fingir que estávamos nos divertindo, e, por sorte, Miriam Perez — que interpretava Dahlia — era uma atriz de comédia com vasta experiência em improvisação. Miriam arrancava sorrisos meus e de Anahí o tempo todo, fazendo coisas como oferecer a mim um pouco do caldo como se eu fosse um bebê, imitando o som de um aviãozinho e tudo o mais. Eu esperava que aquela cena fosse incluída na edição final. Tomás ia adorar. E eu tinha que admitir que estava me divertindo ao exercitar meus talentos como comediante.

Ilba estava empenhada em tornar a experiência o mais real possível, por isso orientou para eu ficar de olho no caldo e mexê-lo de vez em quando. Eu estava diante da panela, inalando aquele aroma que me fazia lembrar de casa, quando Anahí apareceu ao meu lado.

Olhando-me nos olhos, ela mergulhou uma colher limpa no caldo.

— Se um vai comer alho, todos precisam comer — ela profere.

Será que ela estava se referindo à cena do beijo que viria a seguir? Eu esperava que sim, porque àquela altura só conseguia pensar naquilo, e não queria ser o único.

Eu baixo os olhos quando ela leva a colher à boca, os lábios carnudos envolvendo o talher de metal de uma forma que fez o meu coração disparar. Ela passou a língua no lábio inferior para limpar uma gotinha errante e bateu os cílios ao murmurar um "hummmm".

Eu pigarreio.

— Tenho um enxaguante bucal no camarim.

Madre de Dios, eu não parava de falar merda.

— Eu também, mas mesmo assim. — Ela abre um sorriso sedutor quando joga a colher no bolso do avental e se vira.

Eu precisei conter a vontade de tocá-la. Pelo canto do olho, notei a câmera que nos acompanhava. Só mesmo os anos de experiência me impediram de fazer contato visual com a câmera quando eu voltei a mexer o caldo na panela.

Carajo. Aquele era o momento mais verdadeiro que havíamos compartilhado até então, e seria cortado na edição final. Bom, fazer o quê. Era esperado que os personagens se aproximassem, certo? Que flertassem e retomassem o antigo romance. Aquilo se encaixava. Ninguém desconfiaria.

Mas eu vinha contracenando com Anahí havia algumas semanas, e eu sabia que aquela chama nos olhos e na voz dela havia sido real. Ela estava flertando comigo, e eu não sabia bem como me sentia a respeito disso.

Mentira. Eu me sentia ótimo. O problema era que eu estava tão fora de forma que perdi a habilidade de flertar de volta.

Quando a diretora anuncia uma parada antes de rodarem a cena do beijo, eu corro para o camarim a fim de fazer a higiene bucal mais cuidadosa de minha vida. Eu imagino que Anahí estivesse em seu camarim submetendo-se ao mesmo ritual pré-beijo, então gargarejo mais uma vez com o enxaguante.

Por força do hábito, checo o celular antes de voltar ao set e franzo o cenho ao perceber que havia recebido uma mensagem de voz do meu pai. Encostando o celular na orelha, ouço a mensagem.

Hola, mi hijo — Ignacio começa, em sua saudação de sempre. — No te preocupes, todo está bien.

Eu senti o coração parar. Sempre que meu pai começava uma mensagem dizendo "não se preocupe, está tudo bem" significava que nada estava bem.

Estamos indo para o pronto-socorro — meu pai continua, em espanhol. — Tommy caiu de uma árvore e machucou o pulso. Acho que foi só uma luxação, mas vou levá-lo para fazer um raio X. E seu avô ainda não melhorou da tosse, então vou levá-lo para um check-up também. Mi madre vai com a gente.

Meu pai termina a mensagem com mais um "não se preocupe".

Eu fecho os olhos por um segundo e então ligo de volta para ele. A ligação chama, chama e cai na caixa postal. Resistindo à vontade de ficar ligando repetidamente até que ele atendesse, eu decido mandar uma mensagem de texto, avisando meu pai que estava ocupado com as filmagens, mas que queria receber notícias assim que fosse possível. Além de correr para o aeroporto e pegar o primeiro voo para Porto Rico, não havia mais nada que eu pudesse fazer.

Não era a primeira vez que Tomás ia parar no pronto-socorro. Meu menino tinha mania de escalar as coisas, o que significava que também estava sempre caindo. Mas toda vez que isso acontecia, eu desejava estar lá para cuidar de seus machucados e curativos. E meu avô estava com 83 anos, então até mesmo um resfriado era preocupante.

Alguém bate à porta.

— Está tudo pronto — uma assistente de produção avisa.

Gracias — eu respondo.

Droga. Enquanto me preocupava com o estado de saúde da minha família, eu tinha esquecido completamente da cena do primeiro beijo com Anahí. Por força do hábito, passo as mãos pelo cabelo, afastando-as em seguida. Não queria ter que explicar ao cabeleireiro porque estava todo despenteado de repente.

Eu precisava me acalmar, mas aquilo seria difícil, pois meu pai estava incomunicável e eu não podia ficar esperando por uma resposta.

Tudo que eu podia fazer era voltar para o set e torcer pelo melhor.

Mise-en-scène AyA - Adapt [Finalizada]Onde histórias criam vida. Descubra agora