Capítulo 29

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ALFONSO

Quando decidi me afastar de Anahí, eu não estava falando em quilômetros de distância. Mas contar sobre o incidente tinha despertado em mim uma profunda necessidade de ver com meus próprios olhos que a minha família estava bem. Assim, depois de acordar cedo na cama de Anahí, eu deixei um bilhete, voltei para meu quarto para tomar um banho e trocar de roupa e peguei o primeiro voo para San Juan.

Mais uma vez, minha família parecia surpresa e feliz em me ver, embora meu pai tivesse observado enfaticamente que seria bom ser avisado sobre essas visitas com antecedência.

Abuelita Bibiana fez um rebuliço em cima de mim, como sempre, e abuelito Guto queria dividir uma porção de opiniões a respeito do último filme da série Missão impossível.

Estar em casa era um alívio. Ver que estavam todos sãos e salvos era um alívio. Mas a inquietação que me fez voar até lá se recusava a ir embora.

Depois que meu pai e meus avós saíram para o restaurante, eu tentei me distrair brincando com Tomaz, como tinha feito na última visita, mas, durante todo o dia, um pensamento me perseguia.

Eu tinha contado a Anahí.

Ainda não conseguia acreditar que eu tinha feito aquilo. Depois de Tomás, o Incidente era o meu segredo mais bem guardado. Eu não gostava de comentar sobre ele nem com quem já sabia do ocorrido. E, ainda que quisesse culpar o gin ou o estresse por minha confissão, eu sabia que aquilo não era verdade.

A verdade pura e simples era que eu confiava em Anahí.

Aquilo me assustava. Se eu tinha confiado um dos meus segredos a ela, nada me impedia de confiar o outro.

Naquele momento, o outro segredo está marchando escada abaixo. Eu olho para cima de onde estou, sentado no sofá, assistindo sem muito interesse a um jogo de beisebol enquanto esperava meu filho fazer "uma coisa" no quarto. Tomás volta com uma porção de livros nos braços e os joga sem cerimônia ou aviso prévio no meu colo, que dou um pulo quando os livros, a maior parte deles edições de capa dura com cantos pontudos, caem nas minhas coxas e na minha virilha.

Papi — a voz de Tomás assume um claro tom impositivo que me deixa imediatamente em alerta. Era o mesmo jeito usado pelo meu menino quando anunciou que queria um Xbox.

¿Sí?

— Eu quero ir para Nova York — Tomás diz em inglês, como se para provar que estava pronto para a viagem, enfatizando cada palavra.

Meu garoto tinha o mau hábito de anunciar o que queria com veemência, em vez de fazê-lo na forma de pergunta e adicionar um "por favor", então eu ergo as sobrancelhas.

— Você está me pedindo ou está me contando?

¿Puedo ir a Nueva York, por favooooooor? — Tomás cospe as palavras depressa, enquanto une as mãos em súplica. — Olha só, eu já li todos esses livros sobre a cidade.

De fato, os livros despejados no meu colo eram uma coleção de histórias com nomes como O cachorro taxista e Um passeio por Nova York, além de pesados guias de viagem ilustrados para crianças.

Eu pego O cachorro taxista.

— Detesto desapontá-lo, mi hijo, mas nunca vi um cachorro dirigindo um táxi.

Tomás revira os olhos.

— É só uma história, papai.

Papai, hein? Ele devia querer muito aquela viagem, se estava disposto a apelar para "papai".

Mise-en-scène AyA - Adapt [Finalizada]Onde histórias criam vida. Descubra agora