Capítulo IV

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 Priscila de Alcântara, a coordenadora do colégio particular São Francisco de Assis, só tinha motivos para se orgulhar. Era muito ocupada, mas, por algum estranho motivo, aquele dia estava deveras monótono. Ela teve um tempo, inclusive, para checar o celular em sua sala.

Abriu sua rede social favorita. A última postagem havia sido no dia anterior, às 14h. Uma simples foto de sua mão, com as unhas pintadas frescas da cor rosa. Era sua cor favorita, de fato, e não era coincidência que costumava ir para a escola vestida desses tons. Naquela foto em específico, colocara a legenda "Dignidade recuperada".

Sorriu brevemente. A publicação já acumulava mais de 140 curtidas.

Tá, tá, já tô indo! — Uma voz abafada e delinquente gritou, do corredor.

Priscila bufou, logo largando o celular e retomando a postura. Era uma daquelas pragas de novo.

Abrindo a porta rapidamente, Diogo adentrou, ao lado de Rodrigo. Ele sentou-se à sua frente, de braços cruzados e posição ridiculamente equívoca.

— O que você fez, Diogo?

— Nada. A Marilúcia que ficou pegando no meu pé!

— A Marilúcia não te trouxe aqui por nada...

— As gurias ficam incomodando a aula inteira, mas só eu que...

— Diogo! — interviu. — Você também incomoda, e muito. É tão triste ver que um jovem como você, que tem condições de estudar numa escola como essa, fica desperdiçando a vida numa aula tão importante quanto filosofia! Queira você ou não, você é muito inteligente e tem todas as condições para poder tirar as melhores notas! Você só precisa de um pouco mais de disciplina!

— A aula não era filosofia. Era projeto de vida.

— Que seja! Acho que você precisa de um pouco de projeto de vida, sabia? O empreendedorismo pode te salvar, já que você não quer aprender.

— Tsc — Revirou os olhos, com desdém. — Não dá pra aprender nada nessas matérias...

— Não é você que diz que precisamos ensinar coisas úteis? Matemática financeira, empreendedorismo... Tudo isso é abordado "nessas matérias" — Pausa. — Nós estamos fazendo com que a escola seja um ambiente interativo para todos! As matérias que vocês já conhecem, como química, biologia e história, agora conseguem dividir espaço com outros conteúdos que são realmente importantes no dia a dia de vocês. Por que você não se empenha nesses novos conteúdos?

Diogo se calou. Não sabia como responder à inquisição tão certeira de Priscila. Na realidade, ela sempre possuía as melhores respostas na ponta da língua, como era de se esperar. Não estava do lado dele, isso era claro.

Um silêncio intransponível assolou os dois, que permaneceram se observando de forma crítica. Priscila, no entanto, disfarçou seu ódio iminente contra o jovem com um cordial e superficial sorriso.

— Por favor, se comporte. Se tiver algum problema, nós da escola estaremos dispostos a te ouvir. Temos meios de ajudar os alunos das mais diversas formas possíveis. Nós... — O sino zumbiu. — Ah, intervalo. Pode sair.

Diogo saiu calmamente, enquanto Priscila suspirou em alívio. Não aguentava mais aquele tipo de situação, tão recorrente naquela maldita escola. Logo, ergueu a cabeça, torceu os músculos e, enfim, levantou-se.

Com seu estilo chamativo, Alcântara andou calmamente pelo corredor, tombando seus saltos altos rosados pelo chão. Após alguns segundos caminhando, chegou em seu destino: a sala da psicóloga, Anna.

Delicadamente, pressionou sua mão, em forma de punho, três vezes contra a porta. Anna logo abriu, instigada.

— Bom dia, Priscila — afirmou, confusa. — O que a senhora deseja aqui?

— Ah, não precisa me chamar de senhora — Riu. — Você está ocupada?

— Hum... Não, na verdade...

— Que bom. Queria discutir um assunto com você. Vai ser bem rápido!

— Sinta-se à vontade, então.

A coordenadora rapidamente saltitou até o local, fechando a porta com todo o cuidado possível. Enfim, sentou-se à frente de Anna, no local em que, normalmente, seus pacientes se localizavam.

— Então, Anna, você sabe que esteve trabalhando aqui na escola há 9 meses, e seu esforço tem sido essencial para ajudar os nossos alunos...

— Obrigada — Sorriu, confiante.

— Mas, infelizmente, a escola está passando por um momento muito complicado... Você sabe, a crise, tudo...

— Claro, claro.

— E, então, decidimos fazer um corte drástico na escola. Infelizmente, Anna, você terá que ser desligada.

A psicóloga se chocou com a notícia, tão súbita e cortante.

— Desligada?

— Vai ser um processo gradual. Mas, infelizmente, até o fim do mês você estará completamente desligada. Sua jornada aqui foi muito boa, e nós apreciamos muito tudo o que fez. Mas nós vemos o seu desligamento, também, como uma oportunidade para você seguir em frente.

Anna permaneceu estática, sem nenhuma reação. Enfim, após alguns minutos, Priscila engoliu um punhado de saliva e voltou a falar, explicando os mínimos detalhes de sua demissão.

A Psicologia do AssassinatoOnde histórias criam vida. Descubra agora