Capítulo I

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 A arma permaneceu esquivando dos dedos tortos e suados de Diogo, até finalmente se render à força da gravidade e perder totalmente o atrito que tinha com a mão que a segurava.

Um segundo se passou. O tilintar do objeto metálico no chão ressonou pelo corredor, conforme Rodrigo calmamente se aproximou do assassino. Logo, Serena, Felipe e Victor também chegaram, presenciando aquela cena em puro choque.

A respiração de Nunes se tornou ofegante, conforme um pavor irremediável dominou seus sentidos.

— Eu... Eu... — Olhou para o revólver caído no chão. — Eu matei a Priscila!

— Diogo, calma! — exclamou Rodrigo, incisivo. Agora, era o único adulto ali presente, ganhando um olhar de autoridade pela maioria dos estudantes sobreviventes. — Aliás, todos vocês, se acalmem. Tá tudo bem. Vamos esclarecer o que aconteceu, juntos.

O assassino logo se acalmou, as palavras saindo trêmulas de seus lábios:

— Eu tinha falado com o Victor e com o... — Fitou Felipe, sem saber seu nome. — Com o ruivinho ali. A gente ia investigar o colégio, achar uma forma de fugir. Eu fiquei no primeiro andar. E foi aí que ela apareceu. A Priscila. Ela tava com a arma na mão. Apontou pra mim e atirou. Eu peguei a arma da mão dela a tempo, jogando ela na parede e...

— Certo — O professor cruzou os braços, absorto em seus próprios pensamentos. Seu olhar incisivo e assustador se direcionava ao objeto caído no chão. — E a arma? Como a Priscila conseguiu?

Serena, até então distante do assunto, foi subitamente instigada por esse tópico tão pertinente, aproximando-se do algoz e proferindo:

— Diogo, você sabe de onde a Priscila veio?

— Não... Eu nem vi ela chegar. E mesmo se visse, não ia contar pra você, sua bruxa!

— Diogo, agora não é o momento! — Serena afirmou-se tombando o pé veementemente no chão, chamando a atenção de todos com sua voz impositiva. — Por favor, todos, vamos deixar os ressentimentos pessoais de lado. É importante ter união num momento como esse.

— Eu nunca vou me unir contigo, sua cobra, duas-caras, piranha desalmada, interesseira! — A raiva foi incrementando-se no jovem em uma momentânea gradação, que eventualmente resultou em um pico de fúria.

O garoto, já dominado por forças instintivas, lançou-se ao ar, avançando contra Serena como um animal bruto. Os braços fortes de seu professor logo seguraram-no, impedindo um ataque voraz. Contudo, mesmo impedido, o ódio do rapaz era evidente, conforme ele debatia-se furiosamente.

— Diogo! — Rodrigo gritou, em vão.

— Serena! Serena, sua maldita! — Sua voz chegava a estar rouca e fanha, tão retumbante estava sua cólera. — Eu vou te matar! Eu juro que vou te matar, até o fim dessa noite! Vou te espancar até que não dê mais pra reconhecer o teu rosto!

— Diogo! — o professor vociferou, dessa vez em alto e bom tom, fazendo com que a atenção de todos fosse inteiramente capturada por ele. — Já chega!

O jovem imediatamente se recolheu. Suas pupilas ressaltaram por todos os lados, conforme seu corpo se retraiu ainda mais. Enfim, escorou-se em uma parede que estivesse longe o suficiente de Priscila e gradualmente ajoelhou-se, suas mãos cobrindo seu rosto em vergonha.

Felipe e Loch olharam seus arredores, envoltos em confusão e surpresa. Não sabiam como reagir. No entanto, o primeiro, solidarizado pelos sentimentos tão primitivamente expostos de Diogo, viu-se obrigado a se aproximar. Ainda que trêmulo e inconstante, sentia um quê de confiança para falar:

— Diogo... — Sua voz estava mansa. Logo, atraiu a atenção do garoto, que ascendeu a cabeça em sua direção. — Eu entendo o que você sente... mas você não precisa chegar a esse ponto. Ninguém nunca precisa chegar a esse ponto...

— Ah, vai se foder! — Pausa desconfortável. Felipe não esperava aquela resposta. — Você não me entende, porra! Ninguém me entende! Só sabem me julgar, julgar, julgar... Um viado metido a besta como você, que ama se fazer de santinho e ficar chorando enquanto sempre tira a merda das melhores notas... Você tem um mundo de esperanças nas suas costas. Eu não tenho nada. Nada! Ninguém confia em mim. Ninguém me ama. Eu sou só um delinquente, de qualquer forma...

Imediatamente, Nunes se levantou e saiu, sumindo em meio à escuridão. Felipe permaneceu estático, sentindo uma mistura inescrutável de humilhação, mágoa e inutilidade enquanto olhava para a sua frente, esperando que o outro garoto simplesmente voltasse. Depois de tanto tempo se submetendo às mais ilusórias fantasias, se ludibriando pelas mais irreais possibilidades, se mascarando com uma falsa esperança, todo o pouco de felicidade que havia coletado com Serena e com Victor pareceu se despedaçar com as palavras tão duras de Diogo, como se não fosse mais do que uma levedura quebradiça. Agora, finalmente, o jovem tinha certeza: iriam matá-lo. Ele não iria sair vivo dali. Na realidade, estava surpreso por não ter morrido até agora. E talvez seria até melhor se fosse exterminado o quanto antes.

Engoliu um pouco de saliva. Não conseguiu mover um milímetro sequer de seu próprio corpo. Sentiu-se como se estivesse em um transe, a alma deixando seus músculos conforme sua percepção sensorial se transformou em uma mera quimera. Já não sentia mais dor, tristeza ou esperança. Já não queria sentir mais nada. Não havia espaço para sentir nada, pensou.

Loch saiu. Serena, percebendo o choque instantâneo do amigo, imediatamente direcionou-se a ele:

— Felipe? Tá tudo bem?

— Ah! — E subitamente, despertou de seu transe. — Uh? O quê? O que foi?

— Você tá bem?

— Ah... Sim, sim — mentiu, de forma descarada.

— Não liga pra ele, tá? Ele é uma pessoa horrível, que não merece a sua atenção, nem a de ninguém.

— Ah... Certo.

Rodrigo aproveitou a distração da garota para, sorrateiramente, pegar o revólver do chão e guardá-lo em seu bolso.

— Não quer ir pra algum lugar? Beber água, dar uma arejada nos pensamentos? Você não me parece bem, não...

— Certo. Certo. Eu vou... Obrigado, Serena — Saiu, ainda em choque.

Nesse momento, a garota olhou para trás. Viu o professor, assistindo à conversa dos dois de forma oculta e analítica.

— Eu já vou indo — disse o homem, desconcertado. E, rapidamente, deixou o local.

A agilidade de Rodrigo não foi suficiente. Enquanto passava por Serena, a garota rapidamente meteu sua mão no objeto que estava em seu bolso, cometendo um furto tão veloz que a vítima não foi capaz de notar. Somente quando ele já havia saído, a mesma se sentiu confortável para tatear o revólver: agora, era ela quem tinha a arma em mãos.

A Psicologia do AssassinatoOnde histórias criam vida. Descubra agora