Capítulo II

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 Verônica estava isolada no banheiro, em posição fetal. Havia ouvido, há pouco, os tiros ensurdecedores de um local não tão distante, e por isso mesmo permaneceu imóvel. No entanto, os zumbidos dos outros não eram a única coisa que a preocupava. Sua maior fobia era ela mesma.

Abriu a privada. Por meio da água sanitária, pôde observar um reflexo de si, com os olhos desbotados de lágrimas e o rosto amassado por olheiras. Não conseguiu permanecer se olhando por muito tempo. Jamais conseguiria agradar a si mesma se olhando por muito tempo.

Conseguia ouvir, no mesmo cômodo, passos desesperados e ágeis. Unidos ao cheiro insuportável do corpo de Luiza, que se alargava a uma cabine de distância, e a presença desagradável do cadáver de Marilúcia, que estava logo na guarita ao lado, aquilo trouxe uma iminente sensação de morte.

Chorou um pouco mais alto, conforme movimentos desconhecidos e estranhos começaram a ser feitos no compartimento vizinho. Seus prantos, tão suaves, foram responsáveis pela atenção de seja lá quem estivesse perto do corpo da diretora. Agora, ela foi ouvida. E tinha certeza que a pessoa em questão estava indo em sua direção.

Subitamente, a porta da sua cabine se abriu. Milissegundos de absoluto choque se passaram, conforme a garota pôde se certificar de que seria assassinada a seguir. Contudo, a revelação da figura atrás da porta foi ainda pior do que um possível assassino: Serena.

— Verônica, eu vi que você tava chorando, tá tudo bem?

— Tá. Tá, sim.

— E por que nesse banheiro? Você sabe... — Olhou para as duas cabines ao lado.

— Eu acho melhor aqui. Tenho companhia.

— Uau! Você não acha que esse tipo de companhia é um pouco... mórbida, talvez?

— Talvez, mas acho ainda mais mórbido ter algum de vocês como companhia. Os mortos não vão me matar.

— E você também não pode matar os mortos — Ajoelhou-se, ficando no mesmo nível de Verônica. Sua voz ao proferir esta última frase saiu de forma muito mais incisiva.

— O-o quê? — Enervou-se, o rosto ficando ainda mais pálido do que já estava. — Do que você tá falando?

— Verônica, seja sincera comigo: você tentou me envenenar?

Pausa incômoda. A garota de cabelos negros permaneceu rija em sua posição, mas suas expressões faciais e corporais exibiam uma inconstância muito mais bruta do que poderia aparentar. Seu rosto empalideceu, sua respiração ofegou e seu corpo, gradualmente, transpirou até ensopar-se de suor e calafrios. Após desviar o olhar múltiplas vezes e engolir um punhado de saliva, finalmente enfrentou Serena e balbuciou:

Sim.

Um contraste exorbitante se traçou entre as duas, conforme Verônica permaneceu timidamente agachada enquanto a outra firmou-se em sua posição de joelhos, cruzando os braços e esboçando uma feição de instigação, ao invés de raiva ou choque.

— Por que você fez isso, Verônica? — Seu tom estava sério e inquisitorial.

Eu... — Mal conseguia falar. Sentia que um objeto grandioso bloqueava sua traqueia, impedindo sua laringe de articular qualquer voz que não fosse um resquício rouco. — Eu... Eu sinto muito.

— Isso é tudo o que você tem a dizer? — Cruzou os braços, reafirmando sua autoridade.

Imediatamente, a feição da culpada se invisibilizou, conforme sua cabeça descendeu ao nível do pescoço, para que não pudesse fazer nenhum contato com Serena. A mesma, descruzando os braços por um breve momento, pôde ouvi-la, em seus gemidos e choros sutis.

A Psicologia do AssassinatoOnde histórias criam vida. Descubra agora