Epílogo

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 Uma semana depois. Victor estava sentado, leniente, com os braços entre as pernas e a expressão afoita. O local possuía tons graúdos de marrom infestando suas paredes fétidas enquanto um aroma forte de café se impregnava em todo o ambiente. Além disso, o constante som de pessoas emotivas falando de forma agressiva e impositiva, unido ao toque irritante dos telefones, era deveras enjoativo.

Calmamente, uma mulher parda, de cabelos negros e aparência fatigada, encaminhou o jovem a segui-la. Com uma obediência exemplar, ele acatou o pedido, os braços cruzados e a cabeça rente ao chão. Sentia-se envergonhado. Tinha medo de ser condenado, porque talvez ainda achasse, erroneamente, que a culpa era sua.

Abriu-se uma porta. E numa saleta em condições questionáveis, a mulher acendeu a luz, dificilmente evidenciando uma mesa branca, no centro do cômodo, e duas cadeiras em cada uma de suas extremidades. Os dois sentaram, podendo se ver de forma clara, e uma terceira mulher entrou, abstendo-se num dos cantos da sala com uma máquina de datilografia.

— Prazer, Victor — a primeira iniciou. — Meu nome é Julieta Prestes, e eu sou a detetive encarregada desse caso. Ouvi dizer que você tem se recusado a dar detalhes sobre o que aconteceu. Isso é verdade?

Não respondeu. Ao invés disso, permaneceu com as mãos trêmulas em cima dos joelhos, o rosto pálido e enervado. De fato, não tinha falado uma palavra sequer, desde que a polícia chegou na escola. Toda aquela noite se tornou um borrão perante o seu cérebro. Não tinha coragem para ir em frente e denunciar a sua mãe, confessar toda a verdade sobre tudo o que ela fez. Isso porque ele nem sabia direito o que ela tinha feito. Não se lembrava. E também não tinha certeza da sua parcela de culpa em tudo isso. Afinal, ela foi encontrada morta, uma faca atravessando seu pescoço, ao seu lado. Será que ele...?

Nesses últimos dias, portanto, permaneceu quieto quanto às interrogações informais de outros policiais. Mesmo que tentasse falar, não importava a pressão, não conseguia. Sua garganta trancava e o que antes seria uma vibração de suas cordas vocais se tornava uma tenebrosa ânsia de vômito. E, mesmo se conseguisse falar, seria inútil. Não tinha certeza de nada do que aconteceu naquela noite. Seus únicos lapsos de memória envolviam Felipe — na realidade, a única emoção que não tinha esquecido foi todo o laço momentâneo que desenvolveu com o jovem Andrade. Nada disso foi falso.

— Você é a última pessoa que eu converso. E acho que o seu depoimento é o mais importante: ele vai me ajudar a encaixar as peças. Por isso, eu preciso que você coopere.

Continuou quieto, sem nem sequer fazer contato visual com Julieta.

— Olha, Victor, eu acho que sei o que você tá passando. Assim que soube que você era cúmplice da Anna, achei um pouco estranho que ela tivesse conseguido convencer um garoto aleatório a participar dessa série de assassinatos tão macabra. Por isso, logo deduzi que você era filho dela. Não foi tão difícil achar provas, já que a gente tinha o nome completo dela.

Loch gelou. Aquele detalhe ainda não havia sido contado para ninguém. Nem mesmo os outros sobreviventes sabiam. E, no entanto, ela descobriu.

— Também interroguei alguns vizinhos e descobri que ela não era uma mãe exemplar. A senhora Velma, da casa ao lado, disse que constantemente ouvia gritos femininos e choros masculinos, nessa ordem. Acho que a situação agora fica bem clara, né? Ela te forçou a compactuar com tudo isso.

Novamente, se chocou, engolindo um pouco de saliva. Estava quase pronto para desabafar com aquela senhora, de voz tão mansa e aparência tão doce. Contudo, um pequeno fato ainda lhe incomodava profundamente: a morte de Anna. E, como que lendo seus pensamentos, Prestes prosseguiu:

— Você deve estar com medo de que eu te acuse de ter matado a sua mãe. Eu entendo esse medo. Todos, na verdade, têm certeza disso. Ninguém presenciou a morte dela e a conclusão mais óbvia a se chegar seria a de que você cometeu um assassinato. A imprensa e o público em geral tão loucos pra pôr as mãos em você. Eles querem alguém pra apontar os dedos e dizer "Foi esse aqui". Mas eu não sou como eles. Eu acho que, se você tivesse feito isso, sua reação imediata seria tentar negar todas as acusações, de forma desesperada. Afinal, a forma que ela morreu foi muito fria e cruel. Mesmo em todas essas circunstâncias, um jovem de dezesseis anos com coragem pra fazer uma faca atravessar o pescoço da própria mãe é algo bem surpreendente. E o seu comportamento de ficar quieto, recluso, tímido, assustado, não condiz com esse perfil. A forma que você agia durante as aulas, segundo depoimentos de professores e colegas, também é muito diferente dessa ação.

A Psicologia do AssassinatoOnde histórias criam vida. Descubra agora