Capítulo I

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 — O que aconteceu? — indagou Marilúcia, ofegante.

— Acho que se matou... — respondeu Priscila, a feição entristecida.

— Se matou? — Felipe estava pálido de tanto pavor. — Por quê?

— Talvez estivesse com depressão... Toda essa situação deve ter tirado o pobre homem de si. Coitado...

— Eu vou buscar uma cortina — interveio a diretora. — O coitado precisa pelo menos de um manto fúnebre.

Seus sapatos caros bateram avidamente no chão, conforme se distanciava aos poucos. Enquanto a busca pela cortina acontecia, Luiza permaneceu olhando para o corpo, incrédula.

— Um triste suicídio. É uma pena que isso tenha acontecido — complementou Rodrigo, a um suspiro.

O jogo começou — murmurou Luiza, de forma quase inaudível.

Marilúcia enfim retornou, trazendo consigo um longo tecido branco e gentilmente colocando-o em cima do cadáver, tomando o maior cuidado possível para que suas mãos limpas não encostassem no corpo. Após alguns segundos, algumas regiões do manto já se encharcavam de sangue.

— O que você disse? — perguntou Victor, virando a cabeça para Luiza. Seus olhos exibiam interesse, algo muito raro. Felipe notou isso.

— O quê? — Os olhos da garota começavam a se encharcar de lágrimas novamente.

— O que você disse? Antes?

— O jogo começou.

— Como assim? O que você quer dizer?

— Finalmente, as cartas foram postas na mesa. Agora, só vão morrer mais e mais pessoas — disse, de forma confiante, em alto e bom tom. Dessa vez, todos puderam ouvi-la claramente.

— O quê? — Priscila pareceu impávida. — Você está sugerindo que...?

— Sim. Esse homem não se matou. Ele está morto! Ele permanece morto! E nós o matamos!

— 'Nós'? Como assim, 'nós'? Luiza, você tem que se lembrar do lema da escola: 'A união...

— União? Que união? A união de quando eu fui falar com a Verônica e ela me tratou como se eu fosse uma idiota? A união de quando eu fui reclamar de um dos guris e vocês só deram um tapinha nos ombros dele? A união de quando eu entro aqui, todos os dias, a cada dia me sentindo mais desprezada, mais dilacerada, mais perdida? A união de quando a aula se torna nada mais do que uma multidão incontrolável de pessoas ferozes que não param de falar mal umas das outras? A união de quando eu me sinto alienada por todos e nunca consigo me encaixar em absolutamente nada? Essa é a união de que você fala, Priscila?

— Luiza! — gritou Marilúcia. — Por favor, não é a hora para isso! Espere uma situação mais propícia para avaliar a escola. Um homem acabou de morrer!

Um homem acabou de morrer... Sim... Um homem. Não sabemos o nome dele. E eu insisto que um de vocês o matou! Um de vocês jogou esse homem da sacada, querendo passar pro 'próximo estágio' do jogo. Vocês são uns nojentos, todos! Acham que ninguém percebe que essa escola é um reduto de brancos ricos e católicos? Vejam a situação: temos dez pessoas aqui, só duas sendo negras. Eu estou aqui, eu sou uma delas, e o outro negro está debaixo de um pano qualquer, mofando. Não duvido que vocês me matem logo. Porque é só isso que vocês fazem. A única coisa que eu sinto nessa maldita escola é a exclusão: seja pela minha raça, minha timidez ou pelo simples fato de que eu não fui selecionada como uma das patricinhas. Vocês são uns vermes nojentos... Eu odeio todos vocês! — Chorava impetuosamente.

— Luiza, você está sendo injusta! — rebateu Priscila. — Você não pode culpar os outros pela sua dificuldade de socialização! Você precisa entender que não vale a pena disfarçar narcisismo com altruísmo! Essas causas sociais que você reivindica são muito sérias, e nós da escola fazemos o possível para combatê-las! Temos um programa anti-bullying, e eu estou sempre à disposição dos alunos que precisarem de alguma ajuda. Além do mais, todo o funcionamento da escola é sob as leis de Jesus, que pregava o amor ao próximo!

— Ah, Priscila, me poupe!

— Chega! — Marilúcia interveio. Como sempre, deu a palavra final, pondo-se no centro da roda. — Tendo sido suicídio ou não, ele está morto. Já não importa mais.

Luiza deu um único berro, antes de se meter em um dos largos corredores da escola. Queria se afastar de tudo e todos, imediatamente.

Verônica a observou, antes dela gradualmente sumir de sua vista. Por algum motivo, todo o discurso tão cortante da jovem negra lhe comoveu. Logo, seus olhos já apresentavam algumas lágrimas.

Victor, preocupado, correu atrás da garota. Foi o único a fazer isso — Felipe cogitou fazê-lo, mas se desanimou quando o colega tomou a iniciativa primeiro.

A Psicologia do AssassinatoOnde histórias criam vida. Descubra agora