Capítulo VI

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 Verônica e Serena chegaram ao refeitório de mãos dadas. Ambas estavam machucadas, mas a segunda cobriu sua ferida no nariz com um torniquete. Ao seu lado, Andrade caminhava de forma bamba, a cabeça baixa e um braço segurando o outro.

Rodrigo estava de pé e Loch estava sentado. Com a atenção voltada a eles, a jovem Lopes se adiantou e falou:

— Matamos o Diogo. Ele tentou nos matar primeiro, e a Verônica reagiu dando uma facada no peito dele. Deve ter cravado no coração, sei lá, porque ele não levantou mais.

Um momento de silêncio. Nenhum dos dois pareceu expressar algo além de desconforto. Lágrimas chegaram a sair dos olhos de Victor, mas foram barradas pelo comentário cortante de Rodrigo:

— Serena, eu sei que você tá com a arma. Por favor — Estendeu a mão, seriamente. Contudo, a garota não parecia mais incrédula do que disposta.

— Rodrigo, depois de tudo isso ter acontecido, o que você faz é...?

— Eu tava procurando essa arma há muito tempo. Saí inspecionando a escola inteira.

— Mas... — Verônica apontou, de forma tímida, ao fundo. — você disse que tinha saído pra procurar a gente...

— Pois então, eu menti. Agora, a arma. Não tenho todo o tempo do mundo.

Com relutância, Lopes tirou o revólver do bolso. No entanto, ao invés de entregá-lo, sua reação imediata foi apontá-la para o professor. Todos se encheram de pânico. Não podiam acreditar no que viam.

— Serena! — o homem resmungou. — Pelo amor de Deus!

— Por que eu devia entregar a arma pra você, Rodrigo?

— Porque eu sou o único adulto aqui, e claramente a pessoa mais equilibrada no momento!

— É mesmo? Então por que você matou a Marilúcia?

— Eu já disse! Foi um acidente!

— Estranho, porque eu fui checar o corpo e ele tava molhado, e com claros sinais de asfixia e afogamento. Pra alguém que morreu espancado na cabeça, isso é um tanto estranho, não?

Silêncio. Pela primeira vez, Rodrigo expressou claramente uma sensação: pânico. Sua face empalideceu em um segundo, as mãos e o rosto trêmulos como nunca antes.

— Foi por isso que você foi pro banheiro, naquela hora? — Verônica indagou, intrigada.

— Sim.

— Certo, certo! — Rodrigo retomou. — É isso que você quer, então? Eu conto! Ela foi afogada mesmo. Foi tudo muito rápido!

— O que aconteceu?

— Eu cheguei e vi um movimento suspeito na cabine. Quando abri a porta, eu vi... a Marilúcia, morta. E a Priscila, ao lado dela, apavorada por ter me visto.

— A Priscila? — Paes parecia desconfiada.

— Ela matou. Eu acabei contando pro Diogo depois, e ele fez o que fez por impulso. Era um rapaz muito impulsivo, coitado.

A garota abaixou a arma, aliviada. Já havia provado seu ponto. Após engolir uma porção de saliva, balbuciou:

— Não acredito numa palavra do que você diz, Rodrigo. Mas não importa. O que importa é que, por um segundo sequer, eu consegui mostrar que você é o mais desequilibrado de todos nós.

— O quê? — Enfureceu-se. — Mas que absurdo!

— Eu vou pro banheiro! — gritou a jovem Verônica. Seus dentes rangiam em seu rosto franzido. — Não tô me sentindo bem.

— Precisa de alguma coisa, meu amor? — Serena falou, suavemente.

— Não, não. Eu te vejo depois — E sumiu em meio à neblina obscura do local, em direção ao banheiro feminino.

Sua parceira sentou-se num banco qualquer, no canto do cômodo. Respirou fundo, em sinal de alívio. Aquela situação toda havia sido estressante demais, mas felizmente terminou. Não tinha mais nada para se preocupar. Todos já sabiam dos segredos mais mórbidos do assassino, e o pouco de reputação que ele tinha se esvaiu por completo.

. . .

Felipe sentou-se ao lado de Victor. Algumas horas antes, se sentiria envergonhado fazendo isso. Todavia, agora não sentia nada. Quase nada.

— Oi, Victor — esboçou, de forma neutra. — Tudo bem?

Não conseguia sequer olhar para Loch. Estava tão desinteressado e disperso que, na realidade, só havia feito aquela maldita pergunta por cordialidade. Todas as esperanças haviam sido enxugadas de si, no momento em que a tão ilusória vítima de sua paixão levantou-se e saiu enquanto conversavam. Quase todas.

— E-Eu... — Sua voz estava fanha como a de um enfermo. Havia um quê de mansidão na forma que suas cordas vocais tremulavam, tão angelicais, a fim de formar um som falho e indefeso. — Eu não sei...

O jovem Andrade olhou para o lado, levemente sensibilizado pelo tom de voz tão frágil do outro rapaz. Mas não era somente sua laringe que aparentava essa tristeza: seu rosto estava vermelho e inchado de tantas lágrimas, seus lábios estavam nervosos e contraídos, expondo os dentes pequenos e adicionando um pavor evidente em seu corpo diminuto. Não havia alma que não se compadecesse — nem mesmo a de Felipe, quase nula.

— Victor, não fica assim. É por causa do Diogo?

— Por causa de todos eles. Eu sinto que é tudo culpa minha. Sim, é tudo culpa minha!

— Não, não é. Você não tem nada a ver com nada disso.

— Mas... eu podia ter evitado. Cada uma das mortes, eu podia ter evitado, eu podia ter salvo eles, eu podia ter esperneado e implorado, eu podia ter reagido e feito algo, mas eu não fiz nada. E enquanto todos vocês se aliam uns com os outros, eu continuo sozinho, isolado, nunca sabendo de nada do que tá acontecendo. E eu tenho ânsia de saber o que tá acontecendo. De todos aqui, eu sou o mais inútil, o mais imprestável e miser...

Antes que pudesse completar sua lamúria, Felipe segurou sua mão, pequena, pálida e gélida, e cobriu-a com seus dedos cálidos e vívidos. Victor fitou-o com fervor, enquanto ele retribuiu o olhar — era como se, num passe de mágica, toda aquela ilusão houvesse se concretizado e se tornado algo físico, empírico, real. A figura que tinha de Loch não era somente imaginária, e agora podia ter certeza de tal afirmação. Pareceu que, através de sua pele e seus ossos, toda a sua consciência pôde ser enxergada e interpretada de forma analítica pelo jovem ruivo.

O garoto em crise parou de chorar. Nem sequer quis completar sua frase, ou iniciar outra. Os dois permaneceram se observando fixamente, num fluxo irreversível. Ambos se viam hipnotizados um no outro, e não sentiam desejo algum de desviar seus olhares.

Ainda encantado, Victor finalmente tomou uma iniciativa e rompeu o contato visual, pondo a cabeça sobre o ombro do amigo. Felipe pôde sentir seus cachos negros roçando em seu pescoço. Sorriu levemente. Fazia cócegas.

Serena abriu os lábios, exibindo alegria. Secretamente, assistia à cena em comoção. Era gratificante ver a felicidade alheia, especialmente quando era recíproca para si mesma. Só aí, pôde finalmente dar seu primeiro suspiro de alívio. Chegara à conclusão de que não mais haveria nenhum assassinato. Afinal, a harmonia se instaurara ali. E, se fossem morrer, que morressem todos juntos, aliados e abraçados, fuzilados pelos comparsas de Anna. Não importava. O que importava é que todos morreriam felizes. Ela, Verônica — ah, Verônica —, Felipe, Victor e...

Rodrigo? — murmurou. Imediatamente, olhou para os lados. Sua fala havia atraído a atenção dos meninos. — Onde tá o Rodrigo?

Eles olharam para a totalidade da sala, igualmente. O professor não estava ali.

— Verônica! — a moça gritou. Sua pele empalideceu.

A Psicologia do AssassinatoOnde histórias criam vida. Descubra agora