Capítulo V

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 Marilúcia estava nervosa naquele dia. Tinha de aturar todas as tarefas insuportáveis de uma diretora, em especial a contratação do novo psicólogo escolar e a organização da reforma.

Andava de forma imponente pelos corredores. Suas sandálias negras tombavam no chão como blocos de titânio, afastando os alunos de si. Era um pouco glorioso assistir à sua imagem sendo respeitada por todos — coisa que raramente acontecia. O medo é um recurso primitivo e arcaico, mas eficaz até os dias de hoje. Pelo menos, é o que pensava a diretora. Sua filosofia tinha algumas pitadas de Maquiavel, apesar de ser coberta por Hobbes.

Tossiu. Perto de si, Verônica andava calmamente, ao lado de suas amigas. Marilúcia pousou naquele local, respirou fundo e olhou calmamente para a moça, sem nada fazer. Somente sua ameaçadora presença foi capaz de parar a garota, que começou a parecer preocupada de súbito.

— Di-Diretora Marilúcia...?

— Olá, Verônica. Vejo que a senhorita não veio com o uniforme da escola, novamente — Analisou de cima a baixo as roupas da jovem. Vestia duas camadas de blusas sem mangas, a de baixo sendo branca e a de cima sendo preta. No entanto, o que mais enfureceu a temível Marilúcia de Costa e Silva foram as escolhas para os membros inferiores: o intervalo entre seu tênis preto e seus shorts jeans era enorme.

— Não sou obrigada a vir com o uniforme da escola.

— Não é. Mas também deve vir com uma roupa que atenda minimamente à etiqueta escolar. Seus shorts estão tão distantes dos joelhos que...

— Sinto muito, senhora — falou, com um desdém implícito em sua expressão facial. — Vou vir de legging amanhã, então.

— Ótimo. Qualquer coisa que não seja essa... barbárie — Saiu, ainda imponente. Verônica fez uma expressão de extremo nojo e asco, assim que pôde perceber que Marilúcia já não estava mais olhando. Suas amigas riram.

A senhora, já estressada, permaneceu andando pelos corredores, trêmula e inconstante. Sua ansiedade clamava por um local específico, uma sala que a ela havia sido destinada para que tratasse dos assuntos da diretoria quando precisasse.

Finalmente, achou a porta que procurava: uma entrada de mogno, arqueada de forma renascentista com detalhes florais em suas bordas. Era impossível não reconhecer aquele soberano objeto, gloriosamente apresentando-se perto do corredor principal.

Olhou para os lados, apenas a fim de garantir que não havia ninguém, e finalmente entrou, usando seu molho de chaves especial. Não era o local ideal, mas era amplo, bem ventilado e, principalmente, isolado — somente funcionários da escola podiam entrar naquela magnânima sala. No centro do cômodo, sua mesa de abeto pendia, repleta de documentos e arquivos sobre sua superfície. Não eram esses papéis que a interessavam.

Com calma, a mulher trancou a porta novamente e andou até sua mesa particular, empurrando todas as inúmeras folhas suspensas para os lados. O centro da escrivaninha possuía um relevo estranho — um relevo que Marilúcia conhecia muito bem. E, após abrir a parte do tampo que estava demarcada com esse relevo, a diretora conseguiu acessar um pequeno compartimento secreto dentro da mesa, contendo um maço de cigarros, um isqueiro e um revólver antigo.

Pegou os dois itens que lhe interessavam: felizmente, o último não era um deles. Podia ser um pouco melodramático guardar cigarros com a mesma confidencialidade de uma arma, mas Marilúcia achava essencial a discrição. De fato, somente Priscila sabia daquela abertura, além dela própria.

Enfim, acendeu um cigarro com o isqueiro e o pôs na boca. Seus pulmões puderam finalmente se acalmar, enquanto se destruíram um pouco mais. Respirou fundo, liberando a fumaça por todo o ambiente. A janela estava aberta.

Enquanto se deliciava com aquele receptáculo de prazer, sua mão murcha direcionou-se ao seu peito: guardava um outro item especial ali. Após revistar-se um pouco, conseguiu tirar uma fotografia antiquíssima de dentro de seu jaleco azul-marinho. Somente o fato de ver aquela imagem lhe fez chorar profundamente.

Era um homem — Sérgio, seu ex-marido. Na foto, estava vestido com um costume, um bigode imponente dominando seu rosto. A mera lembrança de Sérgio remetia a anciã a tempos bons, uma era de felicidade que pareceu acabar com um estalar de dedos. Não conseguia esquecer. As tortas que preparava, a felicidade de estar ao lado de um homem que lhe protegia incondicionalmente... Tudo acabou com o infeliz aborto espontâneo, seguido do trágico falecimento. Não sabia, até hoje, como tinha conseguido superar esse trauma. Na realidade, não havia conseguido. O vício nos cigarros lhe denunciava.

Tragou uma vez mais. E, assim como as memórias tão impetuosas que lhe atormentavam dia após dia, expirou.

A Psicologia do AssassinatoOnde histórias criam vida. Descubra agora