Capítulo VIII

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 Felipe estava sentado no refeitório, desanimado e cabisbaixo. Mesmo a profana exclamação de Diogo não foi capaz de reter sua atenção. Tudo o que lhe cativavam os olhos eram puras lágrimas.

Ao longe, pôde ver Serena se aproximando. Seu semblante, como sempre, era muito calmo e confiante, mesmo em meio a toda aquela situação. Ela era tudo o que ele queria ser, no momento.

Delicadamente, a moça ajeitou o vestido branco no banco de plástico sintético e sentou-se à sua frente, segurando sua garrafa de água. Seu olhar parecia inquisidor, apesar de inocente.

— Oi — começou ele.

— Oi. Qual é o seu nome? Você é um dos únicos aqui que eu não sei o nome. Entre os que sobreviveram.

O jovem viu brotar em seu rosto mais uma lágrima. Qualquer lembrança àquele assunto tão mórbido lhe trazia puro pavor.

— Felipe — murmurou. — E você deve ser a Serena.

— Você sabe o meu nome?

— Falam um pouco de você. Na minha turma.

— Ah, é? Eu não achei que eu ainda fosse falada por lá.

— Não falam tão bem. Mas também não falam muito. Quase não falam.

— Acho que a pior forma deles demonstrarem que não gostam de alguém é falando o mínimo possível dessa pessoa.

Felipe suspirou. Outro assunto que o incomodava.

— Realmente.

— Felipe, olha, eu sei que toda essa situação é estressante, mas a gente vai conseguir sair daqui bem.

— Vamos? Três pessoas já morreram. Não duvido que eu morra daqui a pouco. Eles me odeiam mesmo.

— Sim... — Ela mesma pareceu desistir de sua argumentação. — Eu entendo.

— Nunca me senti tão... fora. Fora de tudo. Como um estranho no ninho.

— Eu também me sinto assim.

— Não é a mesma coisa. As pessoas sabem quem você são. Elas podem te odiar, mas você tem uma reputação. Eu nem reputação tenho.

— Mas os professores gostam de você! O Rodrigo e a Priscila...

— Os que mataram a Marilúcia? Ah, ótimo! Aliados muito bons. Depois de se livrarem dos outros, ou até antes, me escalpelam por "questões de sobrevivência".

— Felipe, você tá sendo muito pessimista...

— E tem como não ser?

Novamente, Serena parou. Se sentiu refutada mais uma vez.

— Olha, Felipe... eu era uma patricinha, assim como a Verônica. Como você deve saber, eu cheguei a namorar o Diogo. Mas... depois de muito pouco tempo, meu mundo caiu. Eu passei por uma situação muito difícil. Minha mãe morreu.

— Sinto muito — Genuinamente sensibilizou-se.

— Não, tudo bem. Já faz um ano. Mas... nesse momento, eu acabei percebendo que ninguém tava lá por mim. Nenhuma das minhas amigas, nenhum dos meninos... Ninguém. Eu nunca me senti tão sozinha.

Pausa silenciosa. Felipe permaneceu, de forma solidária, olhando para a garota, que parecia dispersar-se facilmente. Sua aparência, no entanto, estava muito mais tranquila do que a morbidez que o assunto poderia incitar.

— O que eu quero dizer é que... — Quebrou-se a pausa. — Você não precisa se encaixar, Felipe. Mesmo se te matarem. Que morra com mais honra do que eles.

— Acho que você tem razão...

— E, além do mais, tem alguns aqui que não parecem ser tão imprestáveis. Aquele Victor, por exemplo...

Andrade imediatamente desviou o olhar. Sua expressão, antes tão pálida e tristonha, encheu-se de um brilho quase que absurdo. Como consequência, sua face cinzenta recebeu cor, principalmente por meio da vermelhidão das bochechas.

— Ele deve ser bom. Mas não tenho coragem de falar com ele — Essa última frase o garoto proclamou com um pouco mais de decadência.

— Você tá apaixonado por ele? — Sua entonação permanecia a mesma, bem como a posição, olhar e tudo o mais. No entanto, a pergunta não era do mesmo nível das outras. Possuía um teor muito mais pessoal e preciso. E o fato de Serena não se incomodar com a importância dessa pergunta confortou o jovem, de certa forma.

— Sim — respondeu relutantemente, depois de desviar o olhar por duas vezes. — Nada demais. Só uma paixão platônica.

— Mas isso é ótimo. Eu também tenho sentido uma paixão platônica... — Olhou para os lados. — Você precisa falar com ele, Felipe. Talvez seja a sua última chance.

— Não tenho coragem.

— Nem mesmo nessa situação? — Sua voz parecia mais suave e leve, quase que como um manto de bebê.

O outro não respondeu em palavras, apesar de balançar a cabeça negativamente. Serena sentiu-se quase que atacada com a firme posição do menino. Era como se o coração dele, tão evidentemente macio, estivesse se transformando em uma pedra estática e inabalável, desprovida de quaisquer sentimentos se não os instintos da racionalidade. Como o dela.

Com delicadeza, a garota se levantou e foi até Felipe, somente para agarrá-lo em um abraço. Foi um ato tão súbito e espontâneo, mas ao mesmo tempo tão revigorante e necessário, que a primeira reação do rapaz, após alguns segundos de surpresa, foi fechar os olhos e chorar.

Lentamente, ele se entregou ao movimento tão angelical e levantou-se igualmente, retribuindo o gesto. De seu rosto fatigado, nada mais saiu do que pura emoção. Nunca esteve tão vulnerável em sua vida, pensou. Ou, talvez, sempre esteve.

Confessa, Felipe — sussurrou em seus ouvidos. Sua voz, apesar de doce e delicada, não parecia estar afetada por choros ou comoções. — Confessa. Não dá pra saber se vamos sair dessa vivos.

Ele suspirou brevemente, enquanto enxugava as lágrimas.

— Eu vou tentar.

A Psicologia do AssassinatoOnde histórias criam vida. Descubra agora