Sob o véu

Alcateia

Alguns meses se passaram desde que comecei essa jornada.
Não tenho notícias de Skyhold ou de Leliana a pelo menos 100 dias.
Enviei, à alguns dias atrás, um corvo portanto uma mensagem para Morrigan, talvez ela tenha mais informações. Preciso saber da localização de um eluvian ativo mas ainda não tive resposta.

Estou ainda a muitos dias de Val Henar, mas a viajem tem me rendido muita informação.
Soube à respeito da rede de elfos vindo de todas as partes de Thedas, um êxodo para o norte.
Tenho pensado no porquê meu destino é o oeste porém ainda não tenho resposta para essa indagação.

Me adaptei completamente ao meu novo braço, ele é bastante flexível e funcional. A algumas semanas estou treinando com arco. Notei uma estabilidade fenomenal.

Cole me visita de tempos em tempos, conversamos bastante. Ele disse que não tem muito a fazer quanto ao meu sofrimento. "Somente seu."

Minhas noites transitam entre insones e de sonhos intensos.
Nunca o vejo em meus sonhos, apenas sinto sua presença. Nossas conversas estão evoluindo, porém ele conhece o limite e nunca o ultrapassa.
Sinto que ele está na encruzilhada, mas sem um eluvian ativo não consigo alcançá-lo.
Me pergunto o porque dele estar sempre comigo nos sonhos se não há mais nada nesse mundo que valha a pena ser salvo.
Meu coração não se entende com minha mente. Sei claramente o que fazer mas o coração diz que não.

Me deito com um pesar, considerando minha decisão e a possibilidade de não conseguir concluir o plano.

Sei que estou sonhando, me vejo em uma clareira no meio de uma floresta. Está escuro mas não consigo dizer se é noite. Sinto o cheiro ocre de vegetação encharcada, como se a luz do sol não chegasse ali.
Me sento no chão encostada em uma árvore, apenas observando.
Estou cansada de sonhar assim. Quero ter sonhos normais, quero voar pelos céus límpidos ou mergulhar nas profundezas negras do oceano. Quero sonhar que rearranjo as estrelas para que fiquem na posição certa. Quero beijar os lábios dele mais uma vez...
Mas não... Meus sonhos são sempre assim, eu presa nesse limbo, conversando com um fantasma do meu passado.
Eu vejo, bem distante, o lobo cinzento. Sorrio pois à tempos não o vejo. Gesticulo com a mão para que ele se aproxime, me inclinando para frente.
- Hey... Venha aqui, amigo... Não vou te machucar... Lembra de mim?
O grande animal se aproxima lentamente, curioso. Ele cheira minha mão e lambe os meus dedos me fazendo rir.
- Hey, grandão! Isso faz cócegas!
Abraço o animal, sinto seu pelo macio e morno enquanto ele cheira o meu braço emprestado, talvez curioso com o material.
- Não vai morder, hein? Qual é o seu nome?
O grande lobo se deita enquanto continuo afagando sua bela pelagem. Sinto o cheiro de hortelã.
Meu coração está em paz. 'Finalmente um sonho bom' - penso.
Olho ao redor e vejo um par de olhos amarelos brilhando. Seguro o ar ao notar que não há apenas um par de olhos.
O grande lobo cinzento levanta a cabeça, como se estivesse dando uma ordem. Nesse momento vejo lobos saindo da parte escura da floresta.
Sinto minha boca ficar seca, seguro minha respiração e observo, sem mover um músculo sequer, por volta de dez lobos de diversas cores e tamanhos, caminhando lentamente em minha direção. Estou cercada.
- Devo me preocupar, grandão? - cochichei próxima ao lobo cinzento que continua deitado ao meu lado.
Os animais me circulam e, aos poucos, vão se deitando, aninhando ao meu redor.
Consigo voltar a respirar após notar qur não há nenhuma animosidade no grupo. Finalmente relaxo, tocando gentilmente o pelos dos lobos mais próximos a mim.
- Essa é sua família, grandão?
O grande lobo cinza me olha como se entendesse o que perguntei.
Me sinto feliz pois essa é a primeira vez que tenho um sonho bom em três anos.
Fecho os olhos e apenas sinto a proximidade da minha nova família. Minha alcateia. Me sinto em casa desde que perdi meu lar.
Não consigo sentir mas sei que ele está aqui.
Talvez esse sonho tenha sido um presente.