Obscuro

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Aos poucos é possível sentir a magia ganhando força ao meu redor. Eu, que nunca tive contato com magia antes, agora sinto minha pele formigar e meus dentes sensíveis. Ele me disse que é natural e que logo vou me acostumar. 'Quem sabe você possa aprender alguns truques, Vhenan." Lembro da cara de alegria quando me disse isso.

Eu não tinha interesse em magia até então e apesar de, em minha atual condição isso poderia se tornar um facilitador. Não quero pensar muito a respeito disso.

Desde aquele encontro com as irmãs Evanuris tenho sentido algo diferente dentro de mim. Uma estranha força me atraindo para a encruzilhada. Algo está me chamando. Entendo que o meu destino agora está em outras mãos e que tenho pouco tempo, mas ainda não sei ao certo como arquitetar meu plano. Preciso de ajuda, preciso me encontrar com meus velhos amigos em Thedas e Fen'Harel não pode saber nada a respeito.

- Eu tenho que te falar uma coisa...
Ele me olha, desviando os olhos dos papéis em suas mãos.
- Eu preciso espairecer. Gostaria de visitar os acampamentos em Ghislain, saber como está a concentração Dalish...
Ele se levanta e caminha em minha direção.
- Como assim? Pode elaborar, Vhenan? - Ele toca minha mão. Eu dou um passo para trás instintivamente.
- É uma sensação. Preciso ver como está o mundo...
- Não é um bom momento, Vhenan. Estamos sendo observados e você estaria em risco se... Ou é outra coisa?
Seu rosto sério e seus olhos estão assustadores. Eu dou um suspiro desanimado.
- Como assim outra coisa?
Ele caminha de um lado para outro, pensando. Noto suas mãos atrás de suas costas tensas, seus dedos serrados deixam as articulações esbranquiçadas.
'Será que ele sabe?'
- Vai me contar o que está acontecendo, Vhenan?
Dou um suspiro longo, sinto os músculos do meu rosto contraindo involuntariamente.
- Não posso, ma'lath.
Ele vira o rosto, sinto que está decepcionado comigo.
- Você não vai voltar lá.
Me levanto bruscamente da cadeira.
- Eu não tenho a intenção de desrespeitar você mas... - seguro minha respiração - Não vim pedir permissão, Fen'Harel.
E antes que ele dissesse algo eu sai do seu escritório. Não sei porque me sinto tão na defensiva agora.
Bato a porta do meu quarto e me sento na beira da cama, irritada e preocupada. Mas não acho que ele acredita que eu esteja planejando alguma coisa.
Àquela noite fui aterrorizada por pesadelos terríveis, dragões e demônios. Acordo sobressaltada, ofegante. Olho ao redor e noto que ainda é noite. Decido ir beber água mas, ao abrir a porta me deparo com ele parado.
- Ouvi gritos. Era um pesadelo?
Concordo com a cabeça, me sentindo tonta.
Caminhamos juntos para a cozinha enquanto ele me observa.
- Hmm... O que foi?...
Ele me dá um copo d'água e afaga o alto da minha cabeça.
- Você está bem, Vhenan? Está pálida...
Acabo de beber água e olho para ele, sua preocupação é visível, sobrancelhas cerradas.
- Foi só um pesadelo. Vou ficar bem...
Noto que ele está me vigiando. Não será fácil ganhar sua confiança agora.

Na manhã seguinte resolvi voltar para o vilarejo. Não comuniquei Fen'Harel dessa decisão. Preciso ocupar minha mente.
Os elfos de todos os clãs, vindos de diferentes regiões de Thedas estavam reunindo no norte do continente. Certamente centenas de milhares aguardavam, em Ghislain, por ordens.
E as ordens estão prontas para serem dadas.
Será um sacrifício sem frutos para essa geração. Sinto uma tristeza enorme quando penso nisso.

Decidi que estava na hora de procurar os membros da antiga inquisição e termos uma reunião estratégica, hora de traçarmos um rumo decisivo.
Intercepto um corvo de Leliana, pobre ave. Amarro minha mensagem à ela. Essa seria minha ultima tentativa de me comunicar com o meu antigo grupo. 
"Espero contato no vilarejo ao norte de Ghislain em dois dias. Preciso negociar."
Solto o corvo e volto para o palácio, torcendo para que ele não tenha notado minha ausência...
- Você não me ouve. - Olho para ele me esperando em frente ao eluvian, com os braços cruzados e uma expressão irritada, cenho franzindo.
'Eu não tenho sorte'
- Eu disse que precisava espairecer e observar a situação atual. Já discutimos isso antes e pelo que me lembro não sou uma prisioneira.
Ele me encara, noto a tensão em seu rosto, pequenas veias próximas a sua têmporas denunciam que preciso tomar cuidado.
- Sua situação pode mudar se eu notar que você pode tentar prejudicar meu progresso.
'Outra ameaça...'
Decido não forçar ainda mais a minha sorte, me inclino e faço uma reverencia silenciosa e sigo firme, caminhando lentamente ao seu lado.
Nesse momento percebi que nunca serei vista como igual, que o amor que ele diz sentir nunca será prioridade em sua vida. Eu nunca vou ser digna de confiança.
Observo à distância. Apesar de sentir o que sinto eu consigo, finalmente, ver a sua verdadeira face. É linda e tão obscura, seus olhos com um brilho perverso, capazes de ler em mim qualquer segredo, analisando minhas fraquezas.
Hora de agir.

Sob o véuOnde histórias criam vida. Descubra agora